SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Líder do motim de mercenários contra as Forças Armadas da Rússia em meio à Guerra da Ucrânia, Ievguêni Prigojin tinha em seu palacete em São Petersburgo ao menos R$ 32 milhões em notas de dólar e rublo, barras de ouro, armas, uma coleção de perucas, fotos dele disfarçado e de cabeças decepadas, passaportes diversos e marretas para intimidar inimigos.
A revelação dos ingredientes de uma batida policial em sua residência principal foi feita na noite de quarta (5) pela TV estatal russa. Ou seja, foi algo combinado com o Kremlin, sugerindo uma campanha para desacreditar o mercenário.
Adicionando mistério à história, na manhã desta quinta (6), o ditador belarrusso, Aleksandr Lukachenko, afirmou que Prigojin está na Rússia, e não mais em seu país. Das duas, uma: ou o mercenário foi devolvido a Vladimir Putin para algum tipo de punição, ou há uma encenação insondável em curso.
As imagens são devastadoras para Prigojin, que segundo pesquisa do independente Centro Levada havia levado um tombo em sua popularidade após o motim, encerrado no dia 24 de junho com mediação de Lukachenko.
A opulência de gosto duvidoso do lugar contrasta itens folclóricos, como as fotos dele disfarçado de comandante militar líbio, com uma enorme barba, e macabros fotos das cabeças cortadas e marretas com a inscrição “Em caso de negociações importantes”.
É notório que um dos meios de punição de adversários do Grupo Wagner, liderado pelo homem conhecido como o “chef de Putin” por ter R$ 5 bilhões anuais em contratos de alimentação com o governo, era a execução a marretadas. Há um vídeo com essas imagens, gravado na Ucrânia no ano passado, e segundo relatos Prigojin enviava as ferramentas para inimigos como um recado intimidatório.
No programa de política do Canal 1 russo, do jornalista Eduard Petrov, Prigojin foi apresentado como um degenerado e chamado de traidor. O apresentador foi além, dizendo que “ninguém planejou encerrar o caso” criminal contra o amotinado, apesar de o FSB (Serviço Federal de Segurança) ter dito em 27 de junho que isso tinha ocorrido.
A mesma contradição aparece na fala de Lukachenko. “Em relação a Prigojin, ele está em São Petersburgo. Ele não está em Belarus”, disse ele, que havia confirmado a presença do mercenário em seu país, parte do acordo para acabar com o motim.
Ao mesmo tempo, ele disse que ainda não sabe se irá assinar contratos para receber membros do Wagner, considerados dos mais ferozes soldados a serviço da Rússia na Guerra da Ucrânia e com atuação em diversos países. Novamente, isso contrasta com a fala pública de Putin ofertando a ida à ditadura aliada para quem não quiser baixar armas ou se submeter ao Ministério da Defesa.
A presença do Wagner em Belarus era dada como certa, tanto que há uma base sendo preparada para receber seus soldados. A Ucrânia chegou a determinar o reforço de seu flanco norte, temendo que os mercenários acabem sendo usados contra si em uma nova frente.
Na TV, Petrov negou relatos que circularam na Rússia de que a polícia havia devolvido R$ 537 milhões e todas as armas apreendidas no palacete. Essas são um capítulo à parte: havia fuzis de assalto e também uma pistola austríaca Glock 17 que Prigojin ganhou de seu maior rival, o ministro Serguei Choigu (Defesa).
No Kremlin, o porta-voz Dmitri Peskov foi instado a comentar o caso por repórteres, mas apenas disse que “nós não monitoramos o paradeiro” do mercenário. Considerando que Prigojin liderou um motim em meio a uma guerra, no maior desafio à autoridade de Putin em mais de duas décadas de poder, é uma declaração pouco crível.
Todo esse vaivém apenas engrossa o caldo de especulações acerca das motivações do motim iniciado com queixas de Prigojin contra a guerra no país vizinho, no dia 23 de junho. Ele evoluiu para a tomada da importante cidade de Rostov-do-Don (sul) e o envio de uma coluna armada para Moscou.
Ela parou a cerca de 300 km, com o acordo que Lukachenko disse ter sido costurado a pedido de Putin, que na versão do ditador queria matar Prigojin. Depois, o mercenário disse que apenas buscava proteger o Wagner da dissolução, já que se recusara a assinar contratos com Choigu, e que não queria derrubar o presidente.
A facilidade com que os mercenários se aproximaram da capital foi notável, o que levou à detenção para interrogatório do general Serguei Surovikin, chefe das Forças Aeroespaciais próximo do mercenário.
Este é outro mistério, dado que Surovikin não foi visto desde o dia do motim, quando gravou um vídeo pedindo para os soldados do Wagner suspendessem o movimento. Sua filha chegou a dizer que ele estava bem, mas sua prisão foi confirmada por diversas pessoas com conhecimento do caso. O Kremlin não a negou, nem comentou.
Isso, e a presença de Prigojin na Rússia enquanto a TV estatal o expõe pode sugerir outra coisa: a punição ao mercenário e a pessoas próximas dele, mas feita de forma opaca, sem publicidade clara. Até o próximo capítulo da novela, claro.
IGOR GIELOW / Folhapress