BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) – A repressão na Venezuela produziu um feito raro: a líder opositora María Corina Machado divulgou mensagem à sua base nesta terça-feira (6) sem mostrar sua imagem. É algo pouco comum para o rosto da mobilização opositora no país de Nicolás Maduro.
A mensagem de áudio também tem tom distinto do que vinha sendo passado até aqui. Nela, María Corina fala em uma “pausa operativa” necessária. “O medo não vai nos paralisar, teremos perseverança e resiliência, mas isso não significa que estaremos sempre nas ruas”, afirma ela, pausadamente, na gravação.
“Às vezes estamos incessantemente em ação. Mas nem sempre estamos ativos”, disse ela, dando a entender que as tratativas e negociações seguem nos bastidores, mas que a mobilização nas ruas pode refluir. “Uma pausa operativa é necessária para assegurar que todos os elementos da estratégia estão alinhados e prontos para a ação.”
Nesta semana em que a repressão escalou no país, María Corina e Edmundo González este, responsável por representar a coalizão opositora nas urnas após a inabilitação de María Corina para concorrer a cargos públicos, afirmaram estar resguardados para se protegerem.
Após a dupla publicar uma carta aberta aos militares e policiais nesta segunda-feira (5) descrevendo González como “presidente eleito” e “líder das forças democráticas na Venezuela” e solicitando apoio das Forças Armadas, o Ministério Público, aliado ao chavismo, anunciou uma investigação penal contra eles por incitação à insurreição.
Enquanto isso, a alta cúpula militar respondeu ao chamado dos dois opositores. O ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, reafirmou “absoluta lealdade” a Nicolás Maduro. Antes mesmo de o órgão eleitoral anunciar a contestada vitória do líder do regime, o chefe militar já dava declarações de que ele teria vencido.
No texto divulgado por Padrinho López, ele afirma que a dupla “que hoje quer se colocar com caráter de democrata tem ampla e obscura trajetória como promotora de ações radicais e absolutamente inconstitucionais”.
O próprio fato de María Corina não aparecer na imagem teria relação com o resguardo e a tentativa de não fornecer elementos visuais que ajudassem a identificar em qual local a líder opositora está.
Muitas vezes vista com um terço no pescoço nas manifestações de que participa, María Corina ainda deu um aspecto religioso à sua mensagem desta terça-feira. “Essa é uma luta espiritual do bem contra o mal, e Deus está conosco”, disse ela. “Que Deus os abençoe”, completou, dirigindo-se a seus apoiadores.
As palavras lembram em certa medida aquelas que o ditador Maduro tem usado. Ele com frequência emprega metáforas relacionadas a demônios para se referir à oposição no país.
Ainda que a ex-deputada tenha reafirmado em sua mensagem que González foi o eleito e que os dois não desistirão de pleitear isso ”não há volta, isso é irreversível”, disse, o recuo na estratégia da oposição abre dúvidas sobre quais serão os seus próximos passos e se ela terá capacidade de manter uma base mobilizada diante da repressão.
Levantamento da ONG Foro Penal, referência no país, aponta que, desde o pleito do último dia 28, mais de 1.100 pessoas foram presas por terem se posicionado contra os resultados eleitorais oficiais, seja em manifestações nas ruas ou nas redes sociais. A organização diz ainda que 100 dessas pessoas são menores de idade, e que 11 morreram.
Os militares também dão seus números. Na carta em resposta a Edmundo González e María Corina, dizem que ao menos 59 policiais e 47 membros das Forças Armadas ficaram feridos em confrontos nos atos. E que 2 membros da Guarda Bolivariana da Venezuela também morreram.
Caracas afirma que há um movimento, apoiado do exterior, para desestabilizar o país e contestar o resultado oficial divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
O órgão deu vitória para Maduro com 52% dos votos, mas até esta terça não tinha divulgado para o público os resultados da eleição discriminados, isto é, separados por estado e mesa de votação, tampouco as atas que saem das urnas eletrônicas. Esse era um procedimento de praxe no país.
Com as atas que tem, a coalizão opositora afirma que ganhou o pleito com 66% dos votos. Sua vitória é corroborada por projeções com amostragens feitas por projetos independentes ou pela imprensa.
Na noite da última segunda-feira, o CNE anunciou ter entregue todas as informações que lhe são demandadas ao Tribunal Supremo de Justiça em Caracas. Nicolás Maduro pediu à mais alta corte do país que audite o processo eleitoral. Ocorre que, como é de conhecimento internacional, o Supremo venezuelano está alinhado ao chavismo.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress