BOA VISTA, RORAIMA (FOLHAPRESS) – A seletividade de critérios usados por governos no tratamento dos direitos humanos na arena global reduz a confiança nas instituições responsáveis por proteger esses direitos, de acordo com a ONG Human Rights Watch em seu novo relatório anual sobre o assunto.
Divulgado nesta quinta-feira (11), a 34ª edição do relatório da organização afirma que líderes globais têm achado mais fácil ignorar violações de direitos humanos em outros países, em parte porque, domesticamente, não tem havido contestação da comunidade internacional quando direitos são atropelados.
A ONG cita entre os exemplos os posicionamentos seletivos, em sua avaliação sobre a guerra entre Israel e Hamas, o tratamento do regime chinês a uigures em Xinjiang e abusos cometidos pelos Estados Unidos no Afeganistão.
“Quando governos condenam veementemente os crimes de guerra do governo de Israel contra civis em Gaza, mas silenciam frente aos crimes contra a humanidade do governo chinês em Xinjiang, ou exigem punições internacionais em relação aos crimes de guerra russos na Ucrânia, ao mesmo tempo que minimizam a responsabilização dos EUA pelos abusos no Afeganistão, enfraquecem a crença na universalidade dos direitos humanos e na legitimidade das leis destinadas a protegê-los”, diz a Human Rights Watch.
A ONG conclama líderes mundiais a deixarem de usar os direitos humanos como moeda de troca e passarem a basear sua diplomacia em princípios.
“As crises de direitos humanos ao redor do mundo demonstram a urgência de aplicar princípios de longa data e mutuamente acordados do direito internacional dos direitos humanos em todo o mundo”, afirma Tirana Hassan, diretora-executiva da organização.
“A diplomacia embasada em princípios, por meio da qual os governos colocam suas obrigações em matéria de direitos humanos no centro das suas relações com outros países, pode influenciar condutas opressivas e ter um impacto significativo para as pessoas cujos direitos estão sendo violados”, acrescenta.
A organização analisa o cenário o global dos direitos humanos em 2023, ano que foi um dos mais violentos do mundo desde a Segunda Guerra Mundial e que voltou a escancarar a paralisia das Nações Unidas, em especial seu órgão mais importante, o Conselho de Segurança, para solucionar crises agudas, como a Guerra da Ucrânia e o conflito entre Israel e Hamas.
A própria Human Rights Watch já havia criticado desdobramentos do Conselho de Segurança da ONU durante a guerra no Oriente Médio: na ocasião do veto dos EUA à resolução proposta pelo Brasil sobre o conflito. A ONG chamou a postura de Washington de “cínica”. “Ao fazerem isso, vetaram demandas nas quais eles mesmos insistem, com frequência, em outros contextos”, afirmou a organização à época, ecoando a seletividade denunciada pelo texto publicado nesta quinta.
O relatório menciona ainda uma série de exemplos de violação de direitos humanos por países e acusa nações ocidentais, como os EUA e União Europeia, de demonstrarem pouco interesse em responsabilizar aliados pelo desrespeito a direitos caros às suas agendas domésticas.
No caso americano, a ONG menciona Arábia Saudita, Índia e Egito como parceiros aos quais Washington faz vista grossa diante de perseguições a opositores e minorias e ações autocráticas. No caso europeu, cita acordos com os “governos abusivos” de Líbia e Turquia para manter migrantes afastados do continente.
As críticas estendem-se também ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujas posições sobre direitos humanos em política externa foram consideradas “inconsistentes”.
A organização relembrou, entre outros exemplos, declarações controversas do líder brasileiro sobre a Guerra da Ucrânia e sobre o enfraquecimento das instituições democráticas na Venezuela, que chamou de “narrativa construída”, além de recusas em assinar declarações multilaterais condenando abusos na Nicarágua e na China.
“O presidente Lula prometeu que colocaria o Brasil de volta ao cenário internacional”, afirma César Muñoz, diretor da Human Rights Watch no Brasil. “Ele deveria usar o novo perfil global do Brasil, incluindo a participação no Conselho de Direitos Humanos da ONU, no Brics e na presidência do G20 em 2024, para promover os direitos humanos e condenar abusos, independentemente dos interesses geopolíticos ou da ideologia do governo responsável por violações”, diz Muñoz.
Apesar das críticas ao petista, a organização também ressalta avanços em seu primeiro ano de gestão. A ONG elogia a reversão de políticas prejudiciais do governo de Jair Bolsonaro a respeito do meio ambiente e dos direitos sexuais e reprodutivos, e a adoção de procedimentos simplificados para análise de pedidos de refúgio em meio à chegada de milhares de venezuelanos na fronteira.
GUILHERME BOTACINI / Folhapress