BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), diz em entrevista à reportagem que o governo precisa ter “cuidado” com excessos que têm aflorado em investigações da Polícia Federal. Para ele, “tem policiais indo além” do que deveriam.
O deputado ainda critica o instrumento de delações premiadas de presos, como ocorreu com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL).
“Emitir juízo de valor sobre a questão de mérito, não vou fazer, não conheço o conteúdo da delação. Agora ponto pacífico é que delação de réu preso é impossível.”
Aliados de Lira foram alvos da PF em junho deste ano, em investigação sobre suspeitas envolvendo kits de robótica. O nome do presidente da Câmara apareceu no inquérito com a deflagração da operação, ocasião em que os policiais encontraram uma lista com pagamentos atribuídos a ele. A PF enviou o caso ao STF, e, semanas depois, o ministro Gilmar Mendes mandou paralisar a apuração.
O presidente da Câmara também afirma que, após o governo ceder dois ministérios e estatais ao PP e ao Republicanos, o seu partido faz parte da base de apoio ao petista na Casa. Segundo o deputado, Lula terá cerca de 350 votos na Câmara, o suficiente para aprovação de PECs (propostas de emenda à Constituição).
Lira admite que a Caixa estará sob seu comando e que o banco terá indicações políticas, que passarão pelo seu crivo.
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PERGUNTA – Lula nomeou André Fufuca, que era líder do PP, como ministro do Esporte. Isso significa a entrada do seu partido de vez no governo?
ARTHUR LIRA – Há uma aproximação de partidos de centro que não faziam parte da base do governo para essa adesão. É claro que, quando um partido indica um ministro que era líder de um partido na Câmara, a tendência natural é que esse partido passe a ser base de apoio ao governo na Câmara dos Deputados, como Republicanos, como outros partidos.
P – Isso significa que todos os 49 votos do PP serão pró-governo?
AL – Não, porque nenhum partido dá todos os votos. Mas eu acredito em uma base tranquila.
P – Qual é a situação da Caixa Econômica?
AL – A Caixa faz parte do acordo com os partidos.
P – Porteira fechada [com as 12 vice-presidências incluídas]?
AL – Esse foi o acordo.
P – Quando as trocas serão efetivadas?
AL – Eu tenho uma conversa com o presidente Lula por esses dias. Ainda vou ter que conversar internamente no meu partido. Os nomes serão colocados à disposição do presidente, que fará a escolha.
P – Essa parte do acordo é tratada diretamente com o sr.?
AL – Ali as coisas têm que ser tratadas com muita transparência e vão ser tratadas com muita clareza. E vão ter, claro, indicações políticas que não serão criminalizadas por isso. A turma terá responsabilidade. A exoneração é o primeiro convite para quem não andar corretamente. A conversa inicial era que ou na cota do PP ou na minha cota isso fosse indicado, mas isso será bem ampliado para todos os partidos que fizeram parte do acordo.
P – Mas essas indicações vão passar pelo sr.?
AL – Penso que sim.
P – E a Funasa [Fundação Nacional de Saúde]?
AL – Funasa faz parte do acordo com o Republicanos.
P – Como ficou a relação com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) após a declaração de que a Câmara está com muito poder?
AL – Depois ele mesmo consertou. Isso está ultrapassado. [A relação] sempre foi boa e vai continuar boa.
P – O plano de déficit zero é factível?
AL – Se tomarmos as medidas, sim. Tem várias oportunidades de se elevar o caixa do governo sem elevar impostos. O governo, o Ministério da Economia e o Congresso terão de trabalhar juntos na busca de uma alternativa. Porque a [medida] que não terá não é aumento de imposto.
P – Para 2024, acredita em alguma mudança no modelo das emendas parlamentares, já que o governo ficou com parte da verba e isso tem gerado reclamação?
AL – Penso que nós temos que evoluir, seja com emendas de bancada obrigatórias, emendas de comissão obrigatórias ou as individuais para que a política pública siga para o que ela se destina. Eu sempre defendi emenda parlamentar e continuarei defendendo, porque ninguém conhece mais o Brasil do que o parlamentar.
P – No passado, investigações mostravam que o loteamento político, muitas vezes, era onde aconteciam casos de corrupção. Por que agora pode ser diferente?
AL – Você não pode criminalizar a política. A indicação política é perigosa por causa disso. Você indica uma pessoa, mas não convive com uma pessoa 24 horas, 48 horas, 72 horas. O que tiver de errado na administração pública tem que ser corrigido.
P – O repasse das emendas também é alvo de investigações por supostos desvios.
AL – Qualquer recurso tem problema. Ao malfeitor tudo: a CGU [Controladoria-Geral da União], AGU [Advocacia Geral da União], a Polícia Federal, Polícia Civil. A gente só não pode criminalizar a emenda parlamentar. É um erro. É ela que diminui as distorções regionais que nós vivemos.
P – Um ex-assessor do sr. [Luciano Cavalcante] foi investigado pela PF por conta de supostas fraudes na transferência de emendas para a compra de kit robótica.
AL – Isso é uma alegação. Mais um abuso, um excesso. Não tem nada que foi provado com relação a isso, inclusive toda essa operação foi anulada [pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal] e vocês sabem o porquê. Ao final e ao cabo, quando ela tiver o seu desfecho, as pessoas que fizeram serão todas responsabilizadas.
Eu não estou aqui julgando ninguém, estou dizendo por mim, que fui massacrado durante dois meses: aliados de Lira, parentes de Lira, assessor de Lira. Então, tudo a seu cabo, essa operação que aconteceu, que trata de um assunto depois que foi totalmente desvirtuado, ela foi anulada pelo STF, por vício de iniciativa, perseguição de alvos, direcionamento de investigação. Não teve sorteio de procurador para atuar no caso. Então, ela é eivada de irregularidades. E, ao final, todos serão responsabilizados.
P – Ela foi anulada a pedido da sua defesa. Havia preocupação de onde a investigação podia chegar?
AL – Não. Foi porque um delegado não pode pegar uma matéria de jornal falsa ou verdadeira e se dirigir para investigar o presidente da Câmara usando terceiros alvos para isso. Então, com muita tranquilidade, eu rebati o tempo todo e disse o tempo todo: o meu CPF não. Não tem nada nas minhas contas, não tem nada na minha vida pessoal, não tem nada nas minhas prefeituras que me desabone ao longo da minha vida. Quem defende a emenda como eu defendo não seria louco de estar na posição que estou e fazer qualquer tipo de coisa errada com relação a isso. Quando a gente perde o limite dos excessos, quando a polícia vira política, a gente tem dificuldades no país.
P – Quando o sr. fala em responsabilizar, está falando de investigadores?
AL – Eu já entrei com representação no CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público], vou entrar com representação no CNJ [Conselho Nacional de Justiça], e tomarei as providências com relação a quem fez as investigações de maneira dirigida.
P -Há desconfiança e reclamações em relação à atuação do ministro Flávio Dino (Justiça), principalmente em relação à PF?
AL – A questão do ministro Flávio Dino, comigo, a relação é muito boa. No Parlamento, ele tem lá suas dificuldades com a oposição, é normal do processo. O que não deve ter é uma polícia política, para nada. Isso é o pior dos mundos. Nem um polícia com autonomia para fazer o que quer. Nós não temos isso. Polícia é órgão de estado para cumprir determinações legais.
P – Mas as críticas à atuação política da PF existem há vários governos. Há uma atuação mais política neste governo?
AL – O governo tem que ter esse cuidado. O atual governo, eu tenho dito, tem que ter esse cuidado com alguns excessos que estão aflorando. Eles tinham sido resolvidos e estão aflorando de novo com muita particularidade.
P – Tem exemplo?
AL – Tem vários. Tem o [general Walter] Braga Netto, tem outros aí. Polícia Federal não trabalha nem como promotor de Justiça nem como juiz. Ela tem que ir até a investigação. Acabou a investigação, acabou o papel. Ela não pode ir além disso. Tem policiais indo além disso.
P – O que o sr. acha de a PF fechar acordo de delação sem o MPF [Ministério Público Federal]?
AL – Ruim. Tem que ter o aval [do MPF]. De qualquer maneira, o Ministério Público é o dono da ação. Se ele não participa, se ele não vê, se ele não discute, na frente, como é que vai andar? Então, acho que quando você começa a extrapolar os seus limites, você começa a desvirtuar o sistema institucional brasileiro.
P – Bolsonaro e aliados têm sido alvo de investigações. O tenente-coronel Mauro Cid [ex-assessor de Bolsonaro] acabou de fechar uma delação premiada que, especula-se, deve mirar no ex-presidente. O sr. vê excessos de investigadores nesse caso?
AL – Eu sempre condenei, ontem e hoje, delação de réu preso. Todo mundo era contra a delação de réu preso lá atrás. Nós estamos tratando de delação de réu preso hoje de novo, feita pela Polícia Federal. Emitir juízo de valor sobre a questão de mérito, não vou fazer, não conheço o conteúdo da delação. Agora ponto pacífico é que delação de réu preso é impossível.
P -Como está a sua relação com o ex-presidente Bolsonaro?
AL – Falei com ele na reforma tributária, pedindo o apoio do PL. Não haveria porque aquele posicionamento [contra a reforma].
P – Ele está morto politicamente?
AL – Nem de longe. Não sou eu que vou averiguar e verificar uma pergunta dessa. Ele foi julgado inelegível, politicamente é muito amplo, ele pode funcionar como cabo eleitoral, ele pode apoiar outro candidato, ele pode reverter uma decisão dessa no Supremo. A gente já viu tantas dificuldades. O presidente Lula é um exemplo vivo disso.
P -Quem vai herdar os votos do Bolsonaro?
AL – Não tenho a menor ideia. Não falo sobre conjecturas. Ninguém se colocou para isso ainda.
P -Mas o sr. e o PP veem mais provável uma aliança no futuro com Lula ou com a oposição?
AL – Você não vai querer resolver 2026 em 2023. Então, ninguém na vida até a morte está morto para nada.
P – E qual o seu futuro? Se um ministério for oferecido, o sr. considera?
AL – Não falo sobre conjecturas.
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RAIO-X | ARTHUR LIRA, 54
Deputado federal por Alagoas, está no quarto mandato. Foi eleito presidente da Câmara em fevereiro de 2021 e reeleito em 2023. Antes, foi vereador em Maceió por duas legislaturas e deputado estadual por três. Filiado ao PP desde 2009, passou antes por PFL, PSDB, PTB e PMN.
JULIA CHAIB, THIAGO RESENDE E CAMILA MATTOSO / Folhapress