BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Com uma distância de quase dez anos, as queixas do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em relação às críticas pela aprovação da urgência do projeto de lei Antiaborto por Estupro se assemelham à experiência vivida por um de seus antecessores, Eduardo Cunha, então no MDB-RJ.
Os dois, expoentes do mesmo grupo político, o centrão, pautaram retrocessos no aborto legal, suscitaram reação da sociedade civil e, mais tarde, reclamaram da mobilização contrária, afirmando não serem os responsáveis únicos pelas tramitações.
Em 2015, Cunha era o presidente da Câmara e articulou a tramitação de projeto que tratava da atenção a vítimas de abuso sexual, mas que tinha alterações que poderiam dificultar, inclusive, o acesso à pílula do dia seguinte.
“Assisto pasmo às manifestações contra mim e o projeto, como se eu fosse seu único autor e também o responsável pelo texto que aprovaram na comissão à minha revelia, o qual não tem e nem terá meu apoio”, disse ele, à época.
Em 2015, Lira integrava o grupo liderado por Cunha. Após as gestões de Rodrigo Maia (RJ), de 2016 a 2021, o deputado do PP recolocou o centrão no comando da Câmara em fevereiro de 2021.
No último dia 12, Lira conduziu os deputados em uma votação-relâmpago do requerimento de urgência de um projeto de lei que altera o Código Penal para aumentar a pena imposta àquelas que fizerem abortos quando há viabilidade fetal, presumida após 22 semanas de gestação. A ideia é equiparar a punição à de homicídio simples.
Lira se reuniu com líderes após a votação. Segundo relatos de três participantes do encontro, o alagoano se queixou das críticas personalizadas a ele, classificando-as como improcedentes e de ataque pessoal. Alguns líderes saíram em sua defesa.
A diferença entre Lira e Cunha, nesse caso, é que o ex-deputado era um dos autores do texto. O projeto foi apresentado em 2013, mas só andou com a ascensão de Cunha à Presidência da Casa. Evandro Gussi (PV-SP), católico da Renovação Carismática, passou a relatar a matéria na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Na prática, o texto dele dificultaria o acesso ao aborto legal, exigindo boletim de ocorrência e exame de corpo de delito antes de atendimento de saúde, além de retirar do atendimento às vítimas informações sobre aborto legal.
Diante da repercussão negativa, com a maior mobilização feminista em atos nas ruas, Cunha publicou artigo na Folha de S.Paulo: “Fizeram de mim o inimigo nº 1 das mulheres”. Ele afirmava, no texto, que não era o único responsável pela tramitação. “Friso: não há pauta minha ou pauta conservadora que seja imposta à Câmara; todas passam pelo crivo da Casa.”
Ele abriu o texto dizendo que, como presidente da Câmara, era um coordenador dos trabalhos e o responsável pela pauta, “incondicionalmente dentro dos limites regimentais, nunca fora deles”. Afirmou que, em sua gestão, jamais houve imposição de pautas de quem quer que fosse.
Tanto ele quanto Lira ficaram conhecidos pelo domínio do regimento interno da Casa, o que, por vezes, motivou acusações de manobras e manipulações das tramitações.
Na votação da urgência do PL Antiaborto por Estupro, Lira não citou o número do requerimento que estava sendo apreciado e, após anunciar a aprovação, nem mesmo os parlamentares haviam entendido se o tema tinha sido votado ou não. A aprovação da matéria também demorou para ser registrada no sistema da Câmara.
O autor do projeto, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), é considerado o porta-voz do pastor Silas Malafaia na Câmara e também um dos principais herdeiros políticos de Cunha.
ANA POMPEU / Folhapress