Lítio é pop, mas só extração não vai reverter perda de hegemonia de MG na mineração

BELO HORIZONTE, MG, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A transição energética tornou o lítio um mineral popular. Estratégico para governos e indústrias, ele está presente nas baterias de carros elétricos e híbridos, além de grandes sistemas de armazenamento de eletricidade -todos cruciais para um mundo com menor pegada de carbono. E o Brasil tem uma das maiores reservas do mundo de lítio, mais precisamente em Minas Gerais.

À primeira vista, o contexto seria favorável ao estado berço da mineração no país. Isso se não fosse a perda de hegemonia de Minas no setor, também motivada pela transição energética, como a Folha mostra desde o final de agosto.

Grandes mineradoras vêm migrando para o Pará, que abriga minério de ferro mais puro e largos depósitos de cobre, outro mineral importante na nova economia. Não à toa, o estado do Norte deve ultrapassar o do Sudeste nos próximos anos em valor de investimentos no setor.

Na visão de especialistas e executivos, o lítio não terá escala e demanda suficientes para reverter esse cenário. Por ao menos três motivos: 1) as reservas de lítio conhecidas em Minas são grandes, mas muito menores que a dos principais produtores, como Chile e Austrália; 2) não há hoje planos concretos em escala para agregar valor ao mineral no estado; 3) com abundância e demanda muito maiores, o valor do mercado de ferro e cobre ainda será maior do que o do lítio na nova economia.

A Agência Internacional de Energia, por exemplo, estima que em um cenário otimista de descarbonização o mercado de lítio vai valer US$ 118 bilhões (R$ 646 bilhões) em 2030 e US$ 232 bilhões em 2040. O de cobre valerá US$ 282 bi e US$ 330 bi, respectivamente. Já consultorias veem o mercado de minério de ferro valendo entre US$ 300 bi e US$ 500 bi em 2030.

A partir dessas projeções, portanto, não haveria condições de os ganhos de Minas Gerais com o lítio sobressaírem os do Pará com cobre. Isso sem contar que nos próximos anos os paraenses podem ultrapassar os mineiros na produção de ferro, carro-chefe das exportações brasileiras.

A única solução para isso, apontam alguns especialistas, seria garantir a verticalização da cadeia do lítio no estado -ainda que eventuais ganhos com esses movimentos fossem creditados à indústria de transformação e não necessariamente à mineração. Esse movimento poderia quase quadruplicar o valor agregado do mineral extraído em Minas, segundo projeções de quem acompanha o mercado.

Hoje, Minas abriga três operações de lítio e outros três projetos em andamento, sendo quase todos no vale do Jequitinhonha, a região mais pobre do estado. No mês passado, por exemplo, a australiana Pilbara Minerals, uma das maiores produtoras de lítio do mundo, anunciou a intenção de compra de um desses projetos em Salinas.

Lista **** Das mineradoras em operação, porém, apenas a CBL (Companhia Brasileira de Lítio), em Araçuaí, avançou para cadeias seguintes à extração e concentração do mineral. A empresa transforma parte das 45 mil toneladas de espodumênio concentrado, o mineral que contém lítio, em 2.000 toneladas de carbonato e hidróxido de lítio, substâncias que fazem parte das baterias de carros elétricos e de grandes sistemas de armazenamento de eletricidade.

Mas o valor é irrisório quando se leva em conta a capacidade do estado, mesmo considerando a intenção da empresa de ampliar essa produção para 6.000 toneladas. Em comparação, a Sigma Lithium, maior empresa de lítio no Brasil, produz 270 mil toneladas de espodumênio concentrado todo ano -o que poderia gerar cerca de 35 mil toneladas de carbonato e hidróxido de lítio.

Se somadas as previsões de todos os projetos hoje divulgados de produção de lítio no estado, Minas Gerais terá a capacidade de produzir 2,19 milhões por ano de espodumênio concentrado até o final da década ou 290 mil toneladas de carbonato e hidróxido de lítio, hoje produzidos majoritariamente na China.

Mas não há planos concretos para isso. E nem interesse econômico. A Sigma, por exemplo, nunca demonstrou disposição, a Pilbara disse que a avaliação ficará para depois, e as demais empresas que chegaram ao vale do Jequitinhonha são pequenas demais para financiarem um investimento desse porte.

“Ninguém vai fazer isso aqui, porque ninguém vai comprometer sua própria produção com uma planta local, já que a gente é mais estimulado à exportação. E para se fazer uma planta química, é muito caro”, diz Rodrigo Menck, ex-diretor financeiro da Sigma e atual conselheiro da Atlas Lithium, que quer produzir 150 mil toneladas de espodumênio concentrado por ano a partir do final de 2025.

A americana Atlas é uma das junior miners (mineradoras juniores) que chegaram à Minas Gerais para extrair lítio. Essas empresas são conhecidas por criar projetos de extração de minerais a fim de vendê-los para grandes mineradoras, como o que aconteceu com a Pilbara em agosto. Elas dependem de contratos com investidores para garantir suas operações e, por isso, dificilmente conseguiriam bancar uma planta de produção em escala de carbonato ou hidróxido de lítio -ainda mais com a atual crise do mercado.

De acordo com um levantamento feito por Marco Antonio Castello Branco, ex-presidente da Usiminas e da Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), a instalação de uma planta capaz de produzir 20 mil toneladas de carbonato de lítio e 30 mil toneladas de hidróxido de lítio exigiria investimentos de US$ 1,28 bilhão (R$ 7 bilhões).

Por isso, ele defende que o BNDES entre na agenda e crie um consórcio com mineradoras para garantir a produção dessas substâncias no país. Ele apresentou a proposta a técnicos do banco em abril.

“Essas empresas que chegaram ao vale do Jequitinhonha estão doidas para serem vendidas e colocar bilhões no bolso, por isso o governo precisa ser protagonista; empreender no mundo atual é focar em cadeia de valor”, diz Castello Branco.

“Uma empresa como a Sigma, por exemplo, não vai gastar US$ 1 bilhão nunca; primeiro porque ela não tem esse dinheiro e segundo porque é um risco muito grande. Por isso defendo unir as mineradoras e o governo”, acrescenta. Ele presidiu a Codemig de 2015 a 2019, durante o governo de Fernando Pimentel (PT).

Mas a dificuldade para gerar valor agregado ao lítio passa também pela falta de demanda interna. Hoje, a maior parte das fábricas de baterias está na China e serão nos países desenvolvidos que os carros elétricos ganharão mais força. “Não adianta querer produzir o carbonato de lítio sem conseguir fortalecer nossa cadeia. Por isso estamos fomentando setores da transição energética, inclusive a produção de baterias”, diz José Luis Gordon, diretor do BNDES.

Executivos das empresas de lítio também pensam assim.

“Ter aqui alguém que produz a bateria e depois o carro facilita, porque a logística do hidróxido é sensível”, diz Fabiano Costa, presidente da AMG, única empresa de lítio no país fora do vale do Jequitinhonha.

A mineradora inaugurou na semana passada uma planta de hidróxido de lítio grau bateria na Alemanha devido a fatores mercadológicos e logísticos. “Lá estamos no quintal da Mercedes, da Audi, da BMW e da Volkswagen, e hoje nós não temos isso no Brasil, mas eu realmente espero que o país possa criar condições de trazer produtores de bateria”, afirma. A AMG quer produzir 20 mil toneladas de hidróxido de lítio grau técnico (etapa anterior ao grau bateria) em Minas Gerais ou no Espírito Santo a partir de 2028.

Na mesma linha, Vinicius Alvarenga, CEO da CBL, faz uma analogia entre a verticalização dos mercado de lítio e minério de ferro. “O consumo per capita de aço no Brasil é o mesmo da década de 1990 não porque falta tecnologia ou recurso mineral, mas porque falta demanda; se fosse melhor negócio fazer aço, a Vale ou a BHP fariam. Veja que o Ebitda [lucro antes dos descontos com impostos, juros, amortização e depreciação] da CSN é maior na mineração do que na siderurgia”, afirma.

Proporcionalmente, a metalurgia, porém, rende mais impostos diretos para o estado do que a mineração. “A verticalização gera arrecadação maior, porque tem cadeia produtiva localizada em maior parte no Brasil, mas qualquer avaliação tem que levar em conta aspectos ambientais e o fato de a produção atualmente ser automatizada e não gerar tantos empregos como no século 20”, diz Tádzio Coelho, professor da Universidade Federal de Viçosa.

Para o secretário de desenvolvimento econômico de Minas Gerais, Fernando Passalio, que lidera os esforços do governo de Romeu Zema (Novo) para atrair mineradoras de lítio para o estado, uma eventual consolidação dos atuais projetos de lítio por uma grande mineradora pode ajudar na geração de valor agregado para o mineral.

“É claro que ter todos os ovos na mesma cesta é sempre ruim, mas se for para caminhar nesses passos rumo à produção de hidróxido e carbonato, esse pode ser um dos caminhos”, afirma.

Mas ao menos nas cidades do vale do Jequitinhonha pouco importa se o mineral tem ou não capacidade de reverter a perda de hegemonia de Minas Gerais na mineração. Em uma região marcada pela pobreza, os impostos gerados a partir dos empreendimentos minerários são aguardados com ansiedade pela classe política e econômica da cidade.

De agosto do ano passado a setembro, por exemplo, Araçuaí e Itinga receberam R$ 10,3 milhões de royalties advindos da venda de espodumênio da Sigma -a quantia deve aumentar nos próximos meses devido a atrasos nos repasses da ANM (Agência Nacional de Mineração).

O governo Zema estima que MG deve atrair R$ 30 bilhões em investimentos com a extração do mineral no Jequitinhonha até 2030 -grande parte, claro, ficará na região.

Rossandro Ramos, professor da Unirio e um dos principais estudiosos do mercado de lítio do país sintetiza: “O lítio jamais pode ser comparado com o minério de ferro, mas a produção dele tem capacidade de transformar a região”.

PEDRO LOVISI / Folhapress

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