PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Em expansão imobiliária e populacional na última década, o litoral norte do Rio Grande do Sul enfrenta desafios na iminência de uma temporada de veraneio superlotada.
A região, que chega a triplicar o número de moradores entre dezembro e março, é o principal destino dos gaúchos no verão, e tem resultados positivos de balneabilidade: das 33 praias, 26 são classificadas como boas e 2, como regulares.
Entretanto, falta infraestrutura adequada para acompanhar o ritmo de crescimento impulsionado pela pandemia de Covid-19 e pelas enchentes de maio.
Em Torres, uma das cidades que recebeu moradores de Porto Alegre que fugiram da falta de água e luz no pico da tragédia climática, o índice de esgoto tratado chega a 73%. Já em Xangri-lá, o número cai para 32%.
Em cinco municípios, o percentual é de 0%. Um deles é Imbé, que registrou um crescimento populacional de 51,81% na comparação dos censos de 2010 a 2022. A construção de uma estação de tratamento está avançando, uma obra de R$ 38 milhões que prevê elevar o nível do esgoto tratado para 25% até o fim de 2025.
“O incremento populacional também nos traz incremento de receita, mas a receita sempre é insuficiente. Eu acredito que isso virou uma rotina para nós”, diz o prefeito Ique Vedovato (MDB). O censo de 2022 apontou que a cidade tem 26,8 mil habitantes essa quantidade já aumentou, segundo o prefeito.
O prefeito calcula que, nos períodos mais críticos da tragédia climática, a cidade chegou a abrigar entre 7.000 e 10 mil moradores temporários deslocados de outras regiões.
Em 8 de maio, Imbé decretou estado de calamidade pública para acessar recursos emergenciais destinados às enchentes, contudo revogou a medida no dia seguinte, após críticas porque o município não havia sido diretamente afetado pelo fenômeno climático. Vedovato defendeu sua decisão argumentando um impacto indireto causado pela chegada repentina de um grande número de novos moradores.
Embora não haja dados para precisar quantos moradores se tornaram permanentes, Vedovato observa que a quantidade de lixo recolhido de maio até dezembro é 15% maior do que a do mesmo período de 2023. “Não é porque os 28 mil estão produzindo mais lixo, é porque tem mais gente produzindo.”
Imbé tem aproximadamente 39 km² de território, o menor dos municípios do litoral norte, e praticamente toda área é urbana. “Vai chegar o momento que vai fazer ações de limitação de crescimento”, afirma o prefeito.
“Por mais que a gente tenha condição de receber mais pessoas nos picos, a cidade funciona bem com até o dobro de habitantes de hoje. Mais do que isso, se for no ano todo, já fica com dificuldade”, continua Vedovato. “Existe oferta de vaga em escola, posto de saúde, segurança pública, e a gente tem limites para isso”.
A Prefeitura de Imbé planeja aplicar dois censos nos próximos quatro anos, o primeiro deles no inverno de 2025, para confirmar em números o crescimento populacional fora do veraneio.
De acordo com o Censo de 2022, 7 das 10 cidades com maior aumento populacional no Rio Grande do Sul estão no litoral norte. A região como um todo teve uma alta de 32% no número de moradores em comparação ao Censo de 2010. A maior cidade da região, Capão da Canoa, cresceu 51% em 12 anos, de 42 mil para 63,5 mil.
A promessa de expansão do litoral norte tem como sustentação um projeto para construir um porto em Arroio do Sal, projeto que prevê investimentos de R$ 1,3 bilhão e que recebeu autorização do governo federal em outubro. As obras estão previstas para começar em 2025 e atendem a uma demanda de empresários da serra gaúcha, que buscam uma via de escoamento mais próxima do que os portos de Rio Grande e Itajaí (SC).
O professor de engenharia Darci Campani, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diz que o crescimento desenfreado da região está causando problemas urbanos. “A nossa infraestrutura realmente é precária.” Ele se mudou para Xangri-Lá durante a pandemia, e hoje alterna entre a praia e a capital.
O docente participou das discussões do novo plano diretor de Xangri-Lá, aprovado em dezembro de 2023. O projeto foi alvo de discussão tensa e protestos contra a flexibilização da altura máxima de prédios, de no máximo sete andares para um limite variável que atenda a requisitos urbanos predeterminados.
Campani diz que o esgoto de Xangri-Lá, assim como em outras cidades da região, tem como destino majoritariamente o sistema de fossas sépticas e filtros anaeróbicos, insuficiente para um município em expansão.
Segundo ele, um dos estudos contratados para a discussão do plano apontou uma diferença de contaminação no subsolo conforme a estação, indo de baixa no inverno para altíssima no verão. “O sistema de fossas e filtros só funciona se feita a manutenção, e quando está sobrecarregado tem dificuldade.”
O impacto, aponta, foi sentido no balneário de Rainha do Mar, que teve medições impróprias para banho por mais de uma semana no último veraneio. “A carga orgânica que está chegando no mar é muito grande.”
Outro desafio, diz Campani, é visível nos crescentes alagamentos em vias públicas na região. “As linhas de drenagem que ocorriam ao natural, com esse monte de condomínios sendo feitos, foram rompidas. Essa água não vai mais pelos caminhos naturais que tinha, e está correndo pela superfície.”
Ele observa que praias de Santa Catarina e de estados do Nordeste estão com mais registros do mar avançando sobre áreas mais altas e alerta para o risco de ignorar o impacto das mudanças climáticas no litoral gaúcho. “A ciência está dizendo que o caminho é outro, mas parece que os interesses econômicos não estão ouvindo. A gente não está pensando no amanhã.”
CARLOS VILLELA / Folhapress