FOLHAPRESS – No fim de 2022, Carrie Browsntein e Corin Tucker, as guitarristas e cantoras que comandam o grupo Sleater-Kinney, estavam no meio das gravações de um novo álbum, quando Brownstein recebeu um telefonema com uma notícia avassaladora: a mãe e o padrasto haviam morrido num acidente de carro durante férias na Itália.
A tragédia mudou completamente o tom do novo disco. O que era para ser um trabalho mais pacífico e solar, depois da melancolia pós-pandemia dissecada no álbum anterior, “Path to Wellness”, de 2021, virou um exercício de luto e amor à vida.
O resultado é “Little Rope”, 11º álbum de estúdio dessa banda norte-americana que tem uma carreira de 30 anos. Ainda é cedo para dizer se o novo disco merece figurar entre os melhores do grupo, ao lado de trabalhos marcantes como “Dig Me Out”, de 1997, “The Hot Rock”, de 1999, ou “The Woods”, de 2005, mas as primeiras impressões são as melhores.
O Sleater-Kinney surgiu no início dos anos 1990, junto a uma incrível leva de bandas do movimento Riot Grrrl, boa parte delas saídas da região de Olympia, capital do estado de Washington Olympia fica a 100 km de Seattle, cidade onde, poucos anos antes, surgiu outro movimento musical marcante do rock alternativo, o grunge de Nirvana, Soundgarden, Pearl Jam e Mudhoney, entre outros.
Eram grupos como Bikini Kill, Bratmobile, Huggy Bear e Heavens to Betsy, formados majoritariamente por mulheres e que faziam um punk de temas feministas o Bikini Kill toca pela primeira vez em São Paulo nos dias 5 e 14 de março, na Audio.
O Sleater-Kinney começou como uma típica banda punk, fazendo canções simples, rápidas e pesadas, mas logo começou a incorporar ao som elementos mais complexos, com ritmos quebrados e guitarras angulosas que remetiam ao pós-punk de bandas britânicas como Wire e Gang of Four. Em 1996, com a entrada da baterista Janet Weiss, a formação se estabilizou num trio, com Brownstein e Tucker nos vocais e guitarras.
Ao vivo, a banda era uma máquina, fazendo shows empolgantes e com uma plateia que se comovia com as letras pessoais e inteligentes, que abordavam, sem panfletarismo ou lição de moral, temas como a misoginia, a depressão e, mesmo antes da trágica notícia do acidente, a morte uma das canções mais adoradas do grupo é “Jumpers”, sobre suicidas.
O Sleater-Kinney sempre teve um som forte, marcado pelos duelos das guitarras de Brownstein e Tucker por cima da bateria seca e potente de Weiss. A banda não tinha baixista, o que resultava numa sonoridade espartana e áspera.
Em “The Woods”, disco que abriu a segunda década da carreira da banda, o som do Sleater-Kinney foi transformado em algo próximo do classic rock, tornando-se mais comercial, mas sem perder a pegada feminista e com letras pessoais e muito fortes.
Depois de “The Woods”, a banda ficou dez anos sem gravar, voltando em 2015 com o elogiado disco “No Cities to Love”. Mas o clima não era bom e, em 2019, a baterista Weiss foi “saída” do grupo, aparentemente de forma pouco amigável. Mesmo sem Weiss, o grupo continuou lançando ótimos álbuns, e “Little Rope” é mais um trabalho inspirado.
O clima sombrio do disco fica evidente na faixa de abertura, com um título que diz tudo: “Hell” (“Inferno”): “O inferno não tem futuro / o inferno não tem dúvidas / o inferno é um lugar / de que não conseguimos escapar / eu me despedaço / é como olhar para um espelho”.
Numa das entrevistas de lançamento do álbum, Carrie Brownstein disse: “Terminar esse disco foi, basicamente, minha maneira de rezar todos os dias (…) a dor é intangível e você sente tão incoerente. Há um antes e um depois, mas você não consegue se reconciliar. Não é como quebrar uma perna ou algo que vai ser curado. Você não se recupera”.
Algumas letras do novo disco tratam diretamente do luto: em “Hunt You Down”, a banda canta: “Tenho me arrastado por dias na esperança de que alguma parede vai se abrir / eu te perdoo, mas gostaria de lhe ter dito isso / Não há lugar para palavras / mandarei meu amor para as suas cinzas”.
“Little Rope” foi produzido por John Congleton, que trabalhou não apenas com bandas da cena alternativa Death Cab for Cutie, Explosions in the Sky, Swans, Midlake, mas também com artistas mais comerciais, como Lana Del Rey, Blondie, Nile Rodgers e Erykah Baduh, e ajudou o Sleater-Kinney a obter uma sonoridade que mantém o peso e ataque característicos da banda, mas com um verniz capaz de agradar a qualquer tipo de público.
Faixas como “Small Finds” e “Dont Feel Right” poderiam tranquilamente estar em playlists de pop-rock e cair no gosto de plateias mais amplas.
LITTLE ROPE
Avaliação Muito bom
Quando Disponível nas plataformas digitais
Autoria Sleater-Kinney
ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress