SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No final de 2016, o autor Alexandre Machado, então marido da escritora, atriz e apresentadora Fernanda Young, ficou doente em uma viagem de férias e precisou ficar internado nos Estados Unidos por complicações de uma pneumonia.
Machado se recuperou, mas a experiência reacendeu tantos traumas que Young voltou para o consultório de uma analista que a atendera por boa parte da vida. O compromisso imposto pela terapeuta era chegar às duas sessões semanais com algum material escrito. A partir desses textos nasceu “O Mistério do Sofrimento”, que faz parte do livro “Chatices do Amor”.
Young não queria escrever um texto sobre o luto, tinha pavor da ideia de vender autoajuda, mas viu na escrita um caminho para lidar com seus fantasmas. E, ciente de uma futura publicação, também considerou como uma maneira de pagar os muitos reais que custaria a terapia.
Tudo isso ela conta no livro organizado por Eugênia Ribas-Vieira, sua editora e agente literária, a partir de escritos soltos em que Young trabalhou nos últimos anos de vida e nunca encontraram publicação. No texto de abertura, Ribas-Vieira conta sobre o processo de criação da autora, que tinha muitas idas e vindas.
O material estava em seu computador e foi cedido pela família. No material ela manifesta a vontade de publicá-los, dizendo inclusive a Ribas-Vieira que “O Mistério do Sofrimento” seria seu último livro.
Com 88 páginas, “Chatices do Amor” é dividido em duas partes. “O Piano Está Aberto”, conto que abre a obra, começou a ser escrito em 2007, ao mesmo tempo que Young trabalhava em outros cinco livros. Ficou parado desde então.
A história gira em torno de um triângulo amoroso, contado pelas duas personagens femininas: a amante, Anna, e a esposa, Gloria. A primeira, visceral, lamenta os nove anos dedicados a um caso sem futuro; a segunda, silenciosa, mergulha em sua loucura por meio do piano.
Embora Young pareça se sentir mais confortável na ficção, é na parte seguinte, autobiográfica, que a leitura fica mais interessante. A autora partiu cedo demais, aos 49 anos em 2019, vítima de uma crise de asma seguida por uma parada cardíaca. Seus relatos pessoais tornam sua presença na obra quase palpável, com toda a intensidade tão característica dela.
A sensação é de que estamos testemunhando suas sessões de terapia, compartilhando a intimidade de confissões tolas, sonhos, vida cotidiana e o amor que sentia por seu marido e seus quatro filhos.
Tem honestidade, tem humor, tem acidez, mas tem principalmente a vontade de se libertar de dores profundas. Desde pequena, ela sofria de depressão, doença que administrava assim como a asma, evitando crises.
Quando o cardiologista prescreveu uma medicação para diminuir sua ansiedade, Young não aceitou. Não que tivesse problemas em tomar remédios, usava uma dosagem baixa de antidepressivo, mas se sentia capaz de conduzir a ansiedade de maneira saudável. Acreditava que a inquietude vinda daí era justamente o combustível de sua criatividade, seu humor, sua animação.
Em forma de diário, em diferentes passagens, Young diz não se reconhecer como escritora em textos tão pessoais e afirma ter pavor de escrever em primeira pessoa. Também afirma não gostar de ler obras do gênero, nem mesmo de seus autores preferidos.
Até zomba de quem faz esse estilo chamando de “um bando de chatas, malvestidas, com corte errado de cabelo, forçando toda e qualquer experiência de coitada para serem incríveis”.
Mas sorte nossa que ela deixou esses pudores de lado. Para que sua voz, que faz tanta falta, continue ecoando por aqui.
Chatices do Amor
Preço R$ 54,90 (88 págs.), R$ 34,90 (ebook)
Autoria Fernanda Young
Editora Record
Avaliação Muito bom
JULIANA NOGUEIRA / Folhapress