SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A bibliografia musical brasileira vai bem, obrigado. Nos últimos anos, presenciamos os lançamentos de inúmeras biografias de artistas de nossa música e livros que contam histórias de gêneros musicais ou movimentos importantes da música brasileira.
Agora, dois novos livros, escritos por duas autoras, exploram, de maneiras diferentes, dois temas instigantes a música sertaneja e a canção de protesto dentro do período da ditadura militar no Brasil.
O primeiro é “Canção Sertaneja e Política Agrária Durante a Ditadura Militar”, da historiadora Marcela Telles Elian de Lima. O segundo é “Apenas uma Mulher Latino-americana”, da jornalista e fotógrafa Bruna Ramos da Fonte.
São dois livros igualmente bons, mas diferentes em suas concepções. O trabalho de Elian de Lima é uma pesquisa originalmente desenvolvida como tese de mestrado da autora.
“Apesar dos muitos estudos sobre a canção popular urbana durante a ditadura militar, em suas diferentes vertentes como a Música Popular Brasileira (MPB), a bossa nova, os artistas cafonas, o tropicalismo, a chamada canção de protesto, os festivais, o Clube da Esquina, entre outras, poucos dedicaram-se ao cancioneiro sertanejo e, muito menos, o relacionaram ao contexto político, econômico e social desse período”, escreve Lima na introdução.
Já o livro de Ramos da Fonte é um interessante misto de relato sobre a história da canção de protesto no Brasil e na América Latina durante a Guerra Fria com reminiscências pessoais da autora, que conta suas viagens pela América espanhola e fala das pessoas que encontrou por esses caminhos.
“Iniciei uma peregrinação por diversas cidades e países, a fim de conversar com pessoas que um dia encontraram suas vozes revolucionárias e foram capazes de promover verdadeiras revoluções com sua obra”, escreve no prefácio.
As duas obras trazem pesquisas bem feitas e informações que interessam não apenas a admiradores dos gêneros musicais abrangidos em cada livro, mas ao público geral.
Logo na abertura do livro de Elian de Lima, ela estabelece a diferença entre música sertaneja e música caipira. A música sertaneja seria, numa definição do sociólogo José de Souza Martins publicada em 1975, “um produto da indústria fonográfica destinado a um público específico: migrantes rurais nas grandes cidades”, enquanto a música caipira teria um “vínculo efetivo com o cotidiano rural por ser utilizada na ritualização das festas e comemorações religiosas”.
A autora analisa uma discografia extensa, de artistas como Rolando Boldrin, Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho e chegando a nomes mais contemporâneos, como Almir Sater e Chitãozinho e Xororó, e mostra como as visões artísticas refletiam as transformações políticas, sociais e econômicas do período. “Os artistas sertanejos observaram as novas conexões sociais, políticas e geográficas, impostas pela política agrária iniciada em 1964, e as apresentaram sob diferentes perspectivas”, escreve a autora.
Já o estilo caleidoscópico da escrita de Ramos da Fonte é capaz de abrir um capítulo descrevendo a casa da família proletária em Santo André, no ABC paulista, passar pela festa de lançamento de um livro sobre Roberto Menescal, no Rio, e mergulhar numa viagem ao Chile em busca da história da cantora e compositora Violeta Parra (1917-1967) uma das grandes vozes da canção de protesto (o prólogo do livro é escrito por Tita Parra, neta de Violeta).
A autora de “Apenas Uma Mulher Latino-americana” chama os capítulos do livro de “ensaios”, o que evidencia a natureza livre de sua narrativa. De fato, o texto é uma viagem, que pode misturar, na mesma página, a história de como a autora, estudante de um conservatório, se apaixonou pela obra de Mozart, a um papo telefônico com o político e escritor Artur da Távola.
Em outro ensaio, Ramos da Fonte lista “algumas canções para começar a conhecer a produção musical indígena contemporânea”. Parece caótico, e é mesmo. Mas há beleza nesse caos.
CANÇÃO SERTANEJA E POLÍTICA AGRÁRIA DURANTE A DITADURA MILITAR
Preço R$ 54 (224 págs.)
Autoria Marcela Telles Elian de Lima
Editora UFMG
APENAS UMA MULHER LATINO-AMERICANA
Preço R$ 69,90 (280 págs.)
Autoria Bruna Ramos da Fonte
Editora Rocco
ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress