Lixo, chuva e falta de saneamento agravam contaminação das praias na Baixada Santista

FOTO: Alisson Salles/Folha Press

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mesmo com céu nublado e os primeiros pingos de chuva caindo, alguns banhistas desafiavam a bandeira de qualidade imprópria da água e entravam no mar na praia José Menino, em Santos, no fim da manhã da última quarta-feira (8).

Aquela era uma das praias consideradas impróprias para banho no litoral paulista, em uma situação que se repete anualmente e que, se não impressiona sozinha, ganhou mais repercussão com a adição de um surto de virose no litoral, que tem atingido cidades como Guarujá e Praia Grande, ambas na Baixada Santista.

Sem uma causa isolada, o problema de contaminação das praias com esgoto é agravado pelo lixo e por rejeitos carregados pela chuva até os canais e o mar, além da infiltração do esgoto em redes pluviais, por causa de ligações clandestinas, que não passam por sistemas de tratamento.

Para moradores ouvidos pela reportagem, é preciso mais fiscalização para enfrentar situações de irregularidade na coleta de esgoto e conscientização de moradores para manter a rede de drenagem de água das chuvas livre de contaminação.

A alta da produção de dejetos, puxada pelo aumento da população durante as temporadas de verão, complica ainda mais a situação de balneabilidade. Há ainda as interferências da rede de águas fluviais ou pluviais na de esgoto e vice-versa.

Não foi difícil achar uma dessas situações na manhã de quarta, no encontro das ruas Godofredo Fraga e Dr. Gaspar Ricardo, no Marapé.

O líquido de um poço de visitação de esgoto da Sabesp transbordava pela tampa e entrava na rede de drenagem pluvial, que caía em um córrego canalizado. Este, por sua vez, levava a água com esgoto ao canal nº 1, que desagua na orla da praia José Menino. O local fica em frente à estação Santa Lourdes do VLT e a poucos metros da estação de Pré-Condicionamento Esgotos de Santos Engenheiro Saturnino de Brito, que tem capacidade para tratar 5.300 litros de rejeitos por segundo.

Tanto os canais quanto a estação e o nome de Saturnino de Brito remontam ao começo do século 20, quando ele, que é considerado o pioneiro da engenharia sanitária no país, implantou um plano para o controle da febre amarela na cidade por meio do saneamento. A ação incluía a construção de canais para escoar a água da chuva, o que permitiu a ocupação da orla santista.

Em dias secos, a Sabesp consegue captar a água do canal para tratar o esgoto antes de lançá-lo, assim como faz com o que é coletado em toda a porção insular de Santos e São Vicente, em um emissário submarino a 4,5 quilômetros da orla.

Mas quando chove, a prefeitura precisa abrir as comportas dos canais para escoar a água, o que impede essa manobra e pode levar esgoto direto para a área de banho da praia. É por isso que uma das recomendações de saúde em meio ao surto de virose no litoral é para que as pessoas evitem banho de mar nas 24 horas após chuva forte.

Para o aposentado Marcos Bandini, 64, falta fiscalização para corrigir conexões de esgoto na rede pluvial, e para regularizar ligações clandestinas.

Ao pé dos morros Santa Terezinha e José Menino, de classe alta e baixa, respectivamente, ele mostrava uma queda de água suja que é canalizada para o canal nº 1. “Ambos são tarifados por água e esgoto, são servidos por redes de água e esgoto. E infelizmente parte dessas redes não está operando a contento.” A água, que fazia parte de uma rede de drenagem fluvial e pluvial do morro, chegava a uma caixa que acumulava terra e lixo.

Segundo a prefeitura de Santos, dos 30 imóveis verificados no José Menino, nove são de Santos, e a gestão já acionou a Sabesp para regularizar as ligações. Já sobre o Santa Terezinha, a prefeitura disse que o gerenciamento das casas é do condomínio do qual elas fazem parte.

Sobre o problema constatado pela reportagem no poço da Sabesp, a companhia afirmou que realizou serviços para desobstrução da rede, que havia sido danificada por mau uso. “Após a intervenção, a situação foi normalizada.”

“Então aí quando acontece, uma chuva forte, o despejo de lixo, que eles jogam aí dentro [na queda d’água do morro José Menino], quando o volume da água vem, então aí vai para caixa de esgoto, vai para o canal e tudo”, afirma Marcos Aurélio de Carvalho, 58, que mora em um condomínio na Dr. Gaspar Ricardo.

Ambos dizem também que falta orientação para que os moradores entendam a importância de descartar o lixo no local correto. Na estação da Sabesp, é possível ver que os tipos de lixo no esgoto filtrados por grades e peneiras incluem pequenas sacolas de lixo, gordura, tampas de plástico e restos de comida, além de apetrechos usados no consumo de drogas.

Entre as ações de fiscalização, a gestão Rogério Santos (Republicanos) citou o programa Detecta, que busca ligações irregulares de esgoto que chegam aos canais da cidade. A ação fez 864 inspeções entre julho de 2023 e dezembro de 2024, e encontrou 123 irregularidades.

Dados do Censo Demográfico de 2022 ajudam a dar uma dimensão do que ainda precisa ser feito. A separação feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) considera adequado o esgotamento sanitário que é feito por rede geral, por rede pluvial, por fossa ligada à rede, e por fossa séptica ou fossa filtro (ligadas ou não à rede).

O restante, que vai de fossa rudimentar ao descarte de esgoto em rios e lagos, é a realidade de 117,8 mil pessoas que vivem na Baixada Santista, em um total de 1,8 milhão de habitantes na região.

A região conta com 18 estações de tratamento atualmente, dividida entre os métodos de tratamento de esgoto e de pré-condicionamento, como é o caso da EPC de Santos.

Já dados do antigo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de 2022, os mais recentes, indicam que a própria coleta de esgoto pelas redes não capta, por exemplo, um terço do que é produzido em Guarujá e Bertioga e quase metade (47%) do que desce pela descarga em Cubatão.

Segundo a prefeitura, 50 mil pessoas vivem em áreas irregulares na cidade, e grande parte não conta com a conexão à rede de coleta de esgoto.

O município aposta em dois programas de moradia para resolver o problema. Um está sendo feito na Vila Esperança, onde vivem 17 mil pessoas. O local já recebeu obras de infraestrutura, incluindo esgoto, e a construção de 1.096 unidades de habitação de interesse social.

O outro é na na Vila dos Pescadores, que tem 9.000 moradores, que receberá benfeitorias de esgoto e 1.300 imóveis de interesse social e 80 flutuantes.

A cidade também espera que, com a privatização da Sabesp, o serviço avance. A companhia prevê investir R$ 2,5 bilhões até 2029 no litoral paulista.

Segundo um relatório produzido pelo pelo Comitê de Bacias Hidrográficas da Baixada Santista, 78,4% do esgoto total produzido nos municípios da Baixada Santista é coletado. Já 25% da população da região vive em áreas não regulares.

Para a professora Alexandra Sampaio, da Unisanta, outro desafio de Santos é “a falta de universalização nas cidades vizinhas que, em determinadas condições de maré, prejudicam, por exemplo, a qualidade da Ponta da Praia.”

Segundo o secretário-executivo do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento), Edson Aparecido da Silva, falta empenho para monitorar a situação do saneamento durante o ano.

“Existe uma displicência muito grande do poder público municipal, que é o titular do serviço [de saneamento], Se você fosse prefeito, você tinha que estar preocupado em saber se o seu município vai estar preparado para receber as demandas de período de férias.”

LUCAS LACERDA E ZANONE FRAISSAT / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS