Luís Melo vive idoso que revê a juventude em espetáculo inspirado na filosofia chinesa

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao entrar em cena em “Mutações”, em cartaz no palco do Teatro Anchieta do Sesc Consolação, o ator Luís Melo emula a figura de um ancião. Sábio, paciente e em eterna análise de seu passado frente a seu presente e a finitude que se aproxima, a personagem é o fio condutor da obra de Gabriela Mellão sob a direção de André Guerreiro Lopes.

Aos 65 anos, Melo vem internalizando essa imagem, seja escolhendo se isolar das grandes capitais ao inaugurar seu complexo cultural intitulado Campo das Artes, no município de Balsa Nova, a 40 quilômetros de distância de sua Curitiba natal, seja se preparando para viver o rei Lear, de William Shakespeare, considerado o filão de ouro para atores que atingem determinada idade.

“Sinto que isso faz parte do processo da vida. Eu nunca tive esses sonhos de fazer personagens, as coisas vão aparecendo e as oportunidades vão se fazendo e quando eu vejo já estou interessado, fazendo, reagendando projetos”, diz.

Algo similar ocorreu com “Mutações”. O nome de Melo surgiu com naturalidade para André Guerreiro Lopes. Isso porque tanto diretor quanto ator passaram pela mesma escola teatral, o Centro de Pesquisa Teatral, o CPT de Antunes Filho, que montava seus espetáculos no mesmo palco onde Melo retorna após quase duas décadas.

Morto em 2019, Filho segue presente nas produções que passam pelo palco do Teatro Anchieta, mas poucas vezes tanto quanto nesta obra.

“Mutações” toma como ponto de partida o “I Ching”, texto clássico da filosofia chinesa formado por sucessivas camadas que vem se transformando ao longo das décadas –daí seu título em português, “Livro das Mutações.”

A filosofia era uma das utilizadas por Antunes Filho na formação dos atores do CPT e atravessou as vidas tanto de Melo quanto de Guerreiro Lopes, que foi quem propôs o projeto para a jornalista e dramaturga Gabriela Mellão. Em uma troca de indicações literárias, o diretor encomendou uma peça sobre a filosofia chinesa e assim nasceu a obra que cumpre temporada até 20 de agosto.

“Antes de o projeto acontecer, não tinha a menor ideia do que ele poderia ser, mas eu acho que já é o invisível se manifestando. O ‘I Ching’ faz você olhar para o mundo a partir de uma ótica que quer ver o invisível e ensina a gente a olhar para o mundo sem esse nosso olhar ocidental, enlouquecido por uma sociedade que nos atropela a todo momento”, afirma a dramaturga.

Essa visão de mundo menos atropelada é o que dita o ritmo da montagem que, ao longo de pouco mais de uma hora, não tem pressa para narrar diferentes camadas de uma mesma história a partir da visão da personagem de Melo, um ancião que disputa poder com sua versão mais jovem, vivida por Alex Bartelli sob o olhar atento de uma figura analítica, a mulher vivida pela bailarina Andréia Nuhr.

Existe uma discussão acerca de “Mutações” que põe em perspectiva o questionamento se o público precisa saber o que é o “I Ching” para conseguir aproveitar a montagem.

“Em nenhum momento pensei que seria um espetáculo para iniciados. É livremente inspirado na simbologia, mas a ideia era trabalhar a teatralidade de um estranhamento. É um espetáculo que não é espetáculo, muito mais próximo da poesia do que da prosa, não é um espetáculo fechado”, diz.

Longe de ser simples, “Mutações” exige certo comprometimento do público com as histórias que estão em cena, característica que vem se tornando comum em obras estreladas por Melo. Sua última passagem pelos palcos foi na igualmente desafiadora com a montagem de “Ausência” há uma década.

Produzida em parceria com a companhia franco-brasileira Dos à Deux, a montagem era baseada em uma linguagem corporal sem texto e mostrava um quadro de um mundo apocalíptico. Em compensação, na televisão, o ator deve compor o elenco da segunda temporada de “Os Outros”, a série do Globoplay que, a julgar pelo sucesso nas redes, tem sabor mais palatável para o grande público.

“Eu gosto de desafiar a plateia, mas eu acho que ela embarca com muita facilidade nessas propostas que fogem do óbvio. Essa é a graça. Nós jogamos juntos”.

MUTAÇÕES

Quando Sex. e sáb às 20h; dom. às 18h. Até 20 de agosto

Onde Teatro Anchieta – r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque

Preço R$ 50

Classificação 14 anos

Autoria Gabriela Mellão

Elenco Luís Melo, Andréia Nhur e Alex Bartelli

Direção André Guerreiro Lopes

BRUNO CAVALCANTI / Folhapress

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