Luiza Romão leva ‘Também Guardamos Pedras Aqui’, vencedor do Jabuti, ao teatro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Luiza Romão sobe ao palco com o cabelo moldado como um elmo romano e os olhos manchados de preto. O traje, como os lábios, estão em vermelho vivo. Ela veste uma versão atualizada pela estilista Claudia Schapira do que já virou sua armadura de guerra na poesia falada e em vídeo-poesias. É a única em cena, mas assume várias vozes.

A escritora, que também é atriz, leva aos palcos do Sesc Vila Mariana seu “Também Guardamos Pedras Aqui”, principal vencedor do prêmio Jabuti de 2022, conversa crítica e feminista em forma de poesia com “A Ilíada”, um das obras fundadoras do Ocidente. A peça parte das apresentações que a poeta fez a partir de seu livro, agora acompanhado de jogos de luzes, sons e projeções.

Questionada sobre levar seu livro a novos formatos, Romão diz que o palco sempre está presente em sua obra. “A palavra poética nunca foi separada da palavra performada. A poesia chega para mim através da cena, em que a poesia é composta pelo texto, mas também pelo encontro e por tudo aquilo que extravasa o significado do texto”, ela afirma. “A tensão da competição, a recepção do público, o espaço urbano, a pessoa que passa, a sonoridade da cidade.”

Assim, de certa forma, “Também Guardamos Pedras Aqui” foi também um roteiro desde o começo. “Eu sempre ia vocalizando ele durante a composição dos poemas. Já tinha esse desejo de se tornar cena.”

O livro foi publicado durante a pandemia de Covid-19, no entanto. Incapaz de estar cara a cara com seu público, Romão transformou a obra em uma vídeo-poesia, que também ganhou prêmios para ela. Anos depois, a poeta finalmente sobe ao palco para apresentar sua obra.

Livro, performance e peça compartilham os mesmos temas. Ganham destaque as mulheres da “Ilíada”, vozes quase ausentes no livro de Homero que ganham centralidade no de Romão. Estão lá também paralelos entre os escombros do Ocidente antigo e os do Brasil de hoje. Afinal, como ela escreve e declama, “também guardamos pedras aqui / do outro lado do oceano”.

“Vejo que existe uma continuidade nesse projeto colonial e de massacre do outro que começa lá atrás. Essa necropolítica, para dizer nos termos do Achille Mbembe, que a gente cita no espetáculo, vai se aperfeiçoando e continua até o dia de hoje”, ela afirma. É a mesma continuidade que levou Romão a conversar com o cânone ocidental, em vez de ignorá-lo.

“Por que a gente continua tendo, nos cursos de teatro, um ano ou dois de literatura grega e não olha para as produções performativas andinas, latino-americanas? Não estudamos outras cosmovisões, possibilidades de estética que não seja a partir do cânone. Minha premiação é um reflexo de uma cena muito maior do que eu. Já não dá para a literatura ‘com L maiúsculo’ não olhar mais para a poesia performativa que está sendo produzida.”

Ainda que trajada para a batalha e buscando novas conquistas, ao menos no slam, Luiza Romão guardou suas armas. Ela não se afasta da cena, mas já não participa mais das batalhas de poesia falada, ascendeu à condição de convidada ilustre, muitas vezes responsável pelo “slam sacrificial”, oferenda que inicia as festividades.

A poeta pesquisa futebol pela Universidade de São Paulo e, apesar de ainda estar encontrando seu tema, pretende tirar disso uma próxima obra. Ela não descarta a possibilidade de voltar a confrontar grandes livros do cânone ocidental.

TAMBÉM GUARDAMOS PEDRAS AQUI

Quando Sex, às 20h; sáb., às 18h e às 20h. Até 18/5

Onde Sesc Vila Mariana – r. Pelotas, 141, São Paulo

Elenco Luiza Romão

Direção Eugênio Lima

DIOGO BACHEGA / Folhapress

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