Lula chama Boric de jovem e apressado ao rebater críticas sobre posição na guerra

BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou seu homólogo chileno, Gabriel Boric, de “sequioso e apressado” por criticar autoridades latino-americanas que não concordaram com a inclusão de uma menção à Rússia no comunicado final da cúpula Celac-UE, que terminou nesta terça-feira (18), em Bruxelas, na Bélgica.

No documento conjunto, os países que participaram da reunião expressaram “profunda preocupação” com a Guerra da Ucrânia, mas não citam a Rússia de Vladimir Putin, como desejava o chileno.

“Não tenho por que concordar com essa visão dele. A reunião foi extraordinária. Possivelmente, a falta de costume de participar dessas reuniões faz com que o jovem seja mais sequioso, mais apressado. Mas as coisas acontecem assim”, disse Lula, 77. Boric tem 37 anos.

“Já tive essa pressa. No primeiro ano de mandato, eu ia para reunião do G7 e queria que as coisas fossem decididas ali, naquela hora. ‘Tem que decidir porque o Brasil precisa…’. Não. Ali não é só o interesse do Brasil, a gente estava discutindo a posição de 60 países. E, portanto, a gente tem que compreender que nem todo mundo concorda com a gente, tem a mesma pressa, tem a mesma visão sobre qualquer coisa. […] Ele tem um pouco mais de ansiedade que os outros”, afirmou Lula.

Para o petista, a condição essencial para a paz no conflito em curso no Leste Europeu é o fim das hostilidades. “Enquanto tiver tiro não tem conversa”, disse. “É preciso sentar à mesa. O que nós queremos é que pare a guerra. Depois, senta-se numa mesa e discute.”

Por outro lado, lula disse compreender o nervosismo da União Europeia (UE) em relação à guerra, o que, segundo o brasileiro, é normal, uma vez que ele está a “14 mil quilômetros de distância”. “Mas é exatamente pelo fato de a gente estar distante que a gente pode ter a tranquilidade de não entrar no clima em que os europeus estão e tentar criar um clima para construir a paz.”

Horas após a fala do petista, Boric respondeu afirmando que não se sentiu ofendido. “Sinto-me muito tranquilo”, disse ele ao desembarcar em uma estação de trem na França após deixar a capital Bruxelas. “Nas oportunidades em que conversei com ele [Lula], tive a melhor das impressões”, afirmou, segundo o jornal La Tercera.

Boric acrescentou que os dois governos podem ser “da mesma família política”, em relação ao fato de estarem à esquerda, mas que “podem ter matizes em torno disto [a guerra], e a posição do Chile é de respeito à importância da defesa do direito internacional”.

“Tenho profunda convicção de que temos que ser categóricos e claros, não podemos deixar nenhum espaço de dúvida, e isso é algo que, aos olhos da história, envelhece bem”, acrescentou, em referência à defesa de um posicionamento mais enfático contra a agressão russa.

Lula já falou diversas vezes sobre o conflito que se desenrola há mais de 500 dias. Em muitos casos, virou alvo de críticas de potências ocidentais por equiparar as responsabilidades de Moscou e de Kiev, apesar de a invasão territorial ter partido da Rússia.

“Putin não toma a iniciativa de parar. [O presidente ucraniano] Zelenski não toma a iniciativa de parar. A Europa e os EUA continuam contribuindo para a continuidade desta guerra. Temos que se sentar à mesa e dizer para eles: ‘Basta'”, afirmou ele em abril.

Já Boric tem sido firme ao criticar a ofensiva russa. Nesta terça, ele havia pedido que os líderes da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) fossem enfáticos ao condenar a invasão, reiterando manifestações anteriores do governo chileno. “Do Chile, condenamos a invasão da Ucrânia, a violação de sua soberania e o uso ilegítimo da força”, disse Boric ainda no início da invasão russa.

Dois dos principais líderes de esquerda na América Latina, Lula e Boric manifestaram divergências nos últimos meses também sobre o regime da Venezuela. Em maio, o chileno criticou uma fala do petista de que havia “narrativas” sobre a situação no país de Nicolás Maduro.

“Não é uma construção narrativa, é uma realidade”, disse Boric após encontro de líderes sul-americanos em Brasília, incluindo Maduro. “É [uma realidade] séria, e tive a oportunidade de vê-la nos olhos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos que vêm à nossa pátria e que exigem, também, uma posição firme e clara para que os direitos humanos sejam respeitados sempre e em todos lugares.”

Na Guerra da Ucrânia, Lula tem defendido a proposta da criação de uma espécie de “clube da paz” para o fim do conflito, que englobaria países como o Brasil, a China e a Indonésia. Segundo ele, as negociações deveriam ser conduzidas por um grupo semelhante ao G20, que reúne as maiores economias do mundo.

A ideia ventilada, porém, não tem encontrado eco no exterior. Havia a expectativa de que o tema fosse abordado quando Lula foi a Pequim e encontrou o líder chinês, Xi Jinping, por exemplo, mas o assunto não ganhou protagonismo na agenda entre os dois países.

Nos primeiros meses deste terceiro mandato, Lula enviou seu assessor especial para política externa, Celso Amorim, a Moscou. No Kremlin, o ex-chanceler se reuniu com Putin e alguns assessores do presidente russo para falar sobre o conflito.

Meses depois, pressionado por críticas, Lula também enviou Amorim a Kiev, onde o diplomata esteve com Zelenski e com representantes da chancelaria ucraniana. Na ocasião, o assessor especial de Lula disse que os diálogos foram positivos, mas que a ambição brasileira para o fim da guerra levaria tempo. “Não há solução imediata.”

IVAN FINOTTI / Folhapress

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