Lula deve lançar força-tarefa global contra fome em cúpula do G20 esvaziada

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) pretende convocar líderes mundiais reunidos na cúpula do G20 para uma força-tarefa global de combate à fome. No domingo (10), ele fará em Nova Déli um discurso de apresentação da presidência do Brasil no bloco e deve pedir o estabelecimento de metas pelos países-membros para combater a insegurança alimentar que afeta 780 milhões de pessoas no mundo.

Apesar de a gestão brasileira do G20 só começar oficialmente em 1º de dezembro, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fará a transmissão simbólica da presidência a Lula durante a reunião dos líderes das 20 maiores economias do mundo, nos próximos dias 9 e 10.

Esse deve ser um dos poucos anúncios em uma cúpula do G20 marcada pela falta de consensos e esvaziada pelas ausências do dirigente chinês, Xi Jinping, e do presidente russo, Vladimir Putin.

A Guerra da Ucrânia e as tensões entre China e Índia contaminaram todas as reuniões do foro multilateral. Até agora, em encontros preparatórios para a cúpula, negociadores não conseguiram chegar a nenhum texto consensual.

Os países do G7 -Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, além da União Europeia- exigem que os documentos da cúpula incluam menções à “agressão da Rússia contra a Ucrânia”, demandam “a retirada total” das tropas russas do território ucraniano e classificam de “inadmissível” o “uso ou ameaça de uso de armas nucleares “.

No ano passado, a Rússia havia concordado, a contragosto, com a inclusão desse conteúdo na declaração conjunta da cúpula do G20 na Indonésia -mas depois recuou. Pequim, em mais uma manifestação de apoio a Moscou, afirma que o G20 é um foro essencialmente para tratar de economia, não de paz e segurança.

Muitos países em desenvolvimento, como o Brasil, concordam que o grupo deveria focar temas econômicos. O chanceler russo, Serguei Lavrov, que vai representar Putin na reunião, disse à Reuters que a Rússia irá bloquear qualquer declaração conjunta que não reflita as visões russas sobre a guerra. “Não haverá uma declaração de todos os membros se nossa posição não estiver refletida no texto”, disse.

Agora, os sherpas, como são apelidados os principais negociadores de eventos multilaterais como a cúpula do G20, estão isolados em um hotel em uma cidade a duas horas de Nova Déli e tentam chegar a um consenso até quinta-feira (7). A Índia propôs uma nova redação, mais neutra, para os parágrafos relativos à Guerra da Ucrânia, sem mencionar diretamente a agressão da Rússia. Os países do G7 insistem nas citações diretas e agora debatem com os negociadores russos. Apesar dos impasses, diplomatas ouvidos pela Folha de S.Paulo se dizem otimistas com a possibilidade de chegar a uma redação com algum consenso.

Outro obstáculo, embora menos agudo, é a resistência dos países europeus em aumentar a capitalização do Banco Mundial, ideia defendida pelos EUA e apoiada pelo Brasil.

Se os sherpas não chegarem a um consenso para a declaração final assinada por todos os membros, a reunião pode terminar com apenas um sumário elaborado pela presidência do grupo. Seria, assim, a primeira vez que uma cúpula do G20 acaba sem um comunicado conjunto, explicitando diferenças irreconciliáveis no bloco, que engloba dois terços da população mundial e 85% do PIB do planeta.

Além das tensões com os russos, os negociadores chineses criticaram sistematicamente iniciativas indianas durante as negociações. O clima entre Índia e China está tenso desde que conflitos na fronteira no vale do Galwan, em Ladakh, causaram a morte de 20 soldados indianos em 2020. Os dois países têm uma disputa territorial sobre o estado indiano de Arunachal Pradesh e a área de Aksai Chin, que ganhou novo episódio quando Pequim divulgou uma nova versão do mapa de suas fronteiras –o traçado inclui as áreas em disputa como territórios chineses.

O regime chinês anunciou na segunda-feira (4) que Xi seria representado na cúpula pelo premiê Li Qiang, mas não explicou o motivo. Xi participou de todas as cúpulas do G20 desde 2013, quando assumiu o leme da China –em 2021 a participação foi virtual, devido à Covid-19. A ausência na cúpula em Nova Déli foi vista como um tratamento esnobe dado aos anfitriões indianos.

Já o Brasil luta para manter a relevância do G20. Sob sua presidência, Brasília prepara em 2024 uma programação ambiciosa em 15 cidades, que culminará na cúpula no Rio de Janeiro, em 18 e 19 de novembro do próximo ano.

O governo brasileiro quer fazer da presidência no G20 a consolidação da volta do país ao cenário internacional após a gestão de Jair Bolsonaro. A ideia é usar as reuniões preparatórias e paralelas ao longo de 2024 para cimentar prioridades como proteção ambiental com desenvolvimento econômico, combate à pobreza, empoderamento das mulheres e reforma de instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

O G20 foi fundado em 1999 e era originalmente restrito a ministros da Economia dos países-membros, mas foi promovido a cúpula anual de chefes de Estado e de governo em 2008, após a crise financeira.

Para o Brasil, o grupo é uma alternativa interessante ao Brics, devido à crescente influência de Pequim. Os chineses lideraram a ampliação do grupo de 5 para 11 integrantes -o Brasil e a Índia, inicialmente, resistiam a esse movimento. Xi Jinping pretende fazer do bloco um contraponto ao Ocidente, algo com que Brasília não concorda.

Ainda assim, o Brasil compartilha da insatisfação com a composição do G20, em que os países europeus têm peso desproporcional em detrimento das nações em desenvolvimento, e apoia a Índia na defesa do ingresso da União Africana no grupo –algo que pode ser anunciado nesta reunião.

Também no domingo, além do discurso sobre a presidência brasileira no G20, Lula deve participar do lançamento de uma aliança global de biocombustíveis em parceria com EUA e Índia, para estimular o mercado mundial. A União Europeia se opõe a incluir estímulo a biocombustíveis no comunicado do G20, pois prefere a rota elétrica para a transição energética.

PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress

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