CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Oliver Stone não titubeia ao ser questionado se admira Luiz Inácio Lula da Silva. “Ele é muito corajoso, e uma pessoa importante, porque ele luta pela paz”, diz, não apenas sobre sua política externa, mas também sobre as políticas sociais de seu governo.
“É uma pessoa na qual vemos força, alguém pragmático, e por isso o admiro mais do que ao Bernie Sanders, por exemplo”, afirma o também diretor Rob Wilson, ao seu lado.
Sentada no terraço de um dos hotéis da Riviera Francesa, a dupla deu início a uma série de conversas com jornalistas horas após a estreia, sob aplausos, de seu documentário, “Lula”, na noite deste domingo (19).
Vencedor do Oscar pelo roteiro de “O Expresso da Meia-Noite” e pela direção de “Platoon” e “Nascido em 4 de Julho”, Stone é hoje um dos nomes mais laureados e respeitados do cinema americano. Não à toa, seu documentário sobre o presidente, exibido em caráter especial, era um dos filmes mais aguardados do festival.
Não há nada de muito novo para os brasileiros no documentário. Stone, ao lado do codiretor Rob Wilson, cumpre o que prometeu quando anunciou o projeto, que seria o retrato do que chama de uma perseguição jurídica, mirando o público estrangeiro.
“Lula” se concentra no momento da prisão do petista, em abril de 2018, no contexto da Lava Jato, e vai até as últimas eleições presidenciais, em que derrotou Jair Bolsonaro. Também há tempo para voltar às origens nordestinas e sindicais, e para dar atenção ao impeachment de Dilma Rousseff, descrita em cena como sua protegida.
O filme é bastante didático, recuperando imagens de arquivo e do noticiário para costurá-las às novas entrevistas com o presidente, Janja, Glenn Greenwald, Cristiano Zanin, Valeska Martins e Walter Delgatti Neto, o hacker da Vaza Jato. É um “política brasileira para leigos”, que tenta educar o estrangeiro para os últimos acontecimentos no Brasil.
Declaradamente de esquerda, Stone já gravou outras lideranças latino-americanas em “Comandante” e “Mi Amigo Hugo”, por exemplo, sobre o cubano Fidel Castro e o venezuelano Hugo Chávez, de quem era amigo. Lula já havia aparecido em “Ao Sul da Fronteira”, de 2009, em que o cineasta conversou com diversos presidentes da região.
Com essa visão protecionista em relação à América Latina, Stone diz fazer um mea culpa, enquanto americano, pelo envolvimento dos Estados Unidos nas batalhas travadas neste lado do continente.
“Nós, americanos, somos valentões. Valentões e arrogantes, e eu não podia ignorar isso neste documentário. Esses caras acham que podem interferir na política de todo mundo, e ninguém fala disso. São uns filhos da puta”, diz Stone sobre as autoridades americanas.
Não eram só os brasileiros que estavam interessados em ver a obra. Vários idiomas podiam ser ouvidos na sala Agnès Varda, e todas as quatro sessões do filme viram seus ingressos esgotarem rapidamente. Funcionários do festival também aplaudiram efusivos ao fim da première, algo que não costuma acontecer.
“Eu não tinha um público específico em mente, mas é um filme feito a partir da perspectiva americana”, afirma Stone. “O Lula ainda não assistiu ao filme, mas eu vou mandar para ele em breve.”
Como é frequente em seu cinema documental, ele pincela “Lula” com suas próprias deduções sobre a Lava Jato, voltando à ditadura militar e ao reconhecido apoio da Casa Branca ao golpe de 1964 para ventilar, também, a possibilidade de manipulação americana na derrocada de Lula e de outros líderes de esquerda sul-americanos.
“Sergio Moro e vários políticos de seu partido estavam indo e voltando dos Estados Unidos na época. Não é estranho?
Em entrevista ao filme, dada na iminência de sua prisão em 2009, Lula fala sobre uma “quadrilha internacional” para inibir políticas sociais no continente e perseguir políticos que tentem adotá-las.
O presidente também fala em cena sobre a vontade de voltar ao Planalto para preservar seu legado, que teria sido destruído nos anos de Michel Temer e Bolsonaro.
Stone e Wilson acham que a palavra “legado” é muito forte para já saberem se, em seu primeiro ano de governo, Lula alcançou o objetivo, mas veem com bons olhos as políticas direcionadas à preservação da Amazônia até aqui. Em paralelo, é preciso considerar que, durante esse terceiro mandato de Lula, o desmatamento no Cerrado cresceu 43% e que o presidente tem dificuldades em avançar na transição energética, alocando mais recursos para a exploração de petróleo e para a indústria automobilística.
Questionado se pensaram em falar com Bolsonaro para o filme, Stone abre um sorriso, sem hesitação. “Eu adoraria falar com Bolsonaro!” Mas para, reflete e conclui: “Só acho que não aprenderíamos nada com ele, né?”
Depois da exibição de “Lula”, que não é uma produção nacional, mas fala da realidade do país, o Brasil voltou a aparecer nas telas de Cannes. Também no domingo, “A Queda do Céu” fez sua estreia na Quinzena dos Realizadores.
Nesta segunda (20), “Bye Bye Brasil”, de Cacá Diegues, ganha sessão na mostra de clássicos desta edição. “Baby”, na Semana da Crítica, faz sua estreia nesta terça e “Motel Destino”, na corrida pela Palma de Ouro, levará Karim Aïnouz ao tapete vermelho na quarta. Há ainda os curtas “Amarela” e “A Menina e o Pote”.
LEONARDO SANCHEZ / Folhapress