SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) acabou no ano eleitoral de 2024 com a transparência das doações de máquinas, implementos agrícolas e veículos realizadas pela estatal federal Codevasf, sendo a maioria delas feita com verbas de emendas parlamentares.
A distribuição de produtos pela empresa pública tem grande impacto nas eleições pelo seu valor bilionário e pelo fato de ocorrer inclusive nos meses que antecedem as votações, por meio de uma manobra para burlar a regra de proibição de entregas gratuitas no período eleitoral.
Anteriormente dedicada a projetos de irrigação no semiárido, a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) foi transformada em um emendoduto dos congressistas no governo de Jair Bolsonaro (PL) e mantida com esse perfil na gestão Lula.
Até o primeiro ano da administração petista, a Codevasf publicava em seu site informações parciais sobre as distribuições de bens a prefeituras, associações e entidades privadas, que passaram de R$ 1,2 bilhão nos anos de 2022 e 2023.
A página de doações deixou de ser abastecida em 2024. A Codevasf alega que adotou um novo sistema de gerenciamento e, por isso, a extração de dados só deverá estar disponível a partir de setembro. Atualmente apenas um resumo de cada distribuição pode ser encontrado no “Diário Oficial” da União.
A restrição de acesso a informações adotada pela estatal vai em sentido contrário às afirmações recentes do presidente em que ele cobra maior transparência no uso das emendas parlamentares.
A medida também destoa da decisão da semana passada do STF (Supremo Tribunal Federal) de proibir repasses de verbas públicas apadrinhados pelos congressistas cujos dados não estejam públicos.
Para buscar um acordo em meio a crise, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, convidou os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente, para um almoço nesta terça (20).
Os demais integrantes do Supremo também devem participar do almoço. Também foram convidados o procurador-geral da República, Paulo Gonet, além de integrantes do governo Lula (PT), como o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
A atual página de doações da Codevasf permite consultas por ano (desde 2010), estado, município e beneficiado. Após essa primeira etapa, é possível acessar o documento de formalização das distribuições, chamado tecnicamente de termo de doação, no formato PDF.
Apesar de a maior parte das entregas de bens ser financiada por emendas parlamentares, a página não permite saber quais foram os deputados ou senadores que destinaram as verbas para a compra e distribuição dos produtos.
Em geral, as doações são feitas nos redutos eleitorais dos políticos sem qualquer critério técnico ou verificação da real necessidade dos investimentos. Porém essa transparência, mesmo que parcial, podia ser o ponto de partida para controle social e apurações da imprensa.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso, porém, é atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
Quanto à ausência de informações sobre 2024, a estatal afirmou que adotou, no segundo semestre de 2023, um novo sistema para gerenciamento de doações, e “a nova página de consulta às informações relacionadas a doações encontra-se em construção”.
“A nova interface permitirá a extração das informações em planilha eletrônica, no formato CSV”, completou.
A reportagem indagou ainda se haveria outra maneira de ter acesso diário às informações. A resposta da estatal foi a de que os resumos das doações poderiam ser obtidos no Diário Oficial da União e “as informações sobre doações também podem ser solicitadas à companhia enquanto a nova página de consultas encontra-se em construção”.
Tendo em vista a afirmação de que a própria companhia poderia fornecer os dados mediante solicitação, a reportagem pediu todas as informações sobre 2024. Na sexta-feira (16), todavia, a estatal se negou a fornecer os dados.
“Devido ao processo de implantação do novo sistema, a extração de dados consolidados sobre as doações realizadas em 2024 encontra-se em processo de validação e deve estar disponível a partir de setembro”, alegou.
Os produtos comprados com verbas de emendas podem ser distribuídos em pleno período eleitoral, driblando a legislação que impedia a prática do toma lá dá cá com fins políticos, isso graças a uma operação casada da gestão Bolsonaro.
O malabarismo buscou tirar, pelo menos no papel, a gratuidade das distribuições de bens pelo governo. Ao deixarem de ser de graça, supostamente passaram a estar em conformidade com a lei.
Para esse fim, a documentação das doações passou a estabelecer que associações ou entidades beneficiadas devem pagar ou fazer algo em troca, como entregar polpa de frutas a instituições sociais ou de 5 kg de carne a uma escola.
A Codevasf nega que a medida configure uma tentativa de burlar a lei. Há casos em que é exigido o pagamento de 1% do valor do veículo, máquina ou equipamento.
Na sexta-feira (16), em entrevista à Rádio Gaúcha, Lula criticou alguns tipos de emendas que não permitem o acesso a informações básicas sobre as transferências.
“O que não é correto é o Congresso, sabe, ter emenda secreta. [A emenda] não pode ser secreta. Por que alguém apresenta emenda e não quer que seja publicizada, se é feita para ganhar apoio político? Então ele deveria ter o direito de publicizar”, disse Lula.
A fala do presidente ocorreu em meio ao debate público sobre a transparência que ganhou maior repercussão após decisão do STF de suspender a execução de emendas parlamentares impositivas até que haja uma ampla divulgação sobre os seus pagamentos e padrinhos.
Segundo relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) publicado em junho, a Codevasf tem aumentado a cada ano o volume de recursos aplicados por meio de doações de veículos e máquinas pesadas.
O levantamento da controladoria federal indica que os valores com tais despesas subiram de R$ 26 milhões em 2017 para R$ 1,2 bilhão em 2022 e 2023.
ESTATAL NEGA VIÉS POLÍTICO, E PRESIDÊNCIA SILENCIA
Por meio de sua assessoria de imprensa a Codevasf afirmou que “não há qualquer viés político nos procedimentos de transparência adotados pela empresa”.
De acordo com a estatal, “não houve decisão deliberada pela não publicação de dados no site da Codevasf. Informações sobre todas as doações realizadas pela Companhia são publicadas no Diário Oficial da União, o que assegura plena transparência aos processos de transferência de bens para beneficiários”
“O sistema anterior, que migrava automaticamente as informações para o site da empresa, deixou de ser alimentado por questões técnicas”, completou.
Procurada pela reportagem, a Presidência da República não se manifestou.
FLÁVIO FERREIRA / Folhapress