BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em sua reunião convocada com a Espanha para discutir movimentos extremistas, focou a crítica à extrema-direita, novamente sem mencionar a Venezuela, assim como havia feito mais cedo em seu discurso no plenário da Assembleia-Geral.
O presidente chileno, Gabriel Boric, por sua vez, aproveitou o encontro para criticar o regime de Nicolás Maduro e cobrar o mesmo nível de resposta a abusos cometidos por lideranças de direita e de esquerda. A crise na Venezuela é um ponto de divergência entre Brasília e Santiago.
O objetivo de Lula era usar o evento como plataforma para criticar desinformação e discurso de ódio, principalmente nas redes sociais. O evento foi coorganizado pelo presidente brasileiro e pelo premiê da Espanha, Pedro Sánchez.
“Compreender por que a democracia se tornou alvo fácil para a extrema direita e suas falsas narrativas é um desafio compartilhado. O extremismo é sintoma de uma crise mais profunda, de múltiplas causas. A democracia liberal demonstrou-se insuficiente e frustrou as expectativas de milhões”, disse Lula. “Fartura para poucos e fome para muitos em pleno século 21 é a antessala para o totalitarismo.”
Em determinado momento, o brasileiro disse, sem mencionar nenhum país específico, que “a história nos ensinou que a democracia não pode ser imposta”. “Sua construção é própria de cada povo e de cada país. Para resgatar sua legitimidade, precisamos recuperar a sua essência, não apenas a sua forma”, disse.
Em sua vez falar, Boric fez uma crítica a movimentos de esquerda que evitam criticar violações a garantias democráticas praticadas por aliados ideológicos.
“Precisamos adotar uma posição única de países progressistas. Violação de direitos humanos não podem ser julgadas conforme a cor do ditador de turno. Seja Netanyahu em Israel ou Maduro na Venezuela, Ortega na Nicarágua ou Putin na Rússia. Quer se autodefinam de esquerda ou direita, o que sejam”, disse Boric.
“Nós, progressistas, precisamos ser capazes de defender princípios. Acho que às vezes fracassamos porque não usamos a mesma medida para julgar aqueles que estão do nosso lado. Já aconteceu muitas vezes na América Latina, e nos prejudicou muito. Já conversei muito com Lula sobre isso, como a venezuelização da nossa política interna causou prejuízo muito grande grande para as esquerdas”.
Pouco depois, em seu discurso à Assembleia-Geral, Boric repetiu o argumento e buscou promover uma terceira via na diplomacia global. “O Chile se rebela contra a ideia de dois pesos e duas medidas no assunto direitos humanos”, afirmou. “Por isso, me recuso a escolher entre o terrorismo do Hamas e o massacre e conduta genocida de Israel de [Binyamin] Netnayahu. Não temos por que escolher entre barbáries: eu escolho a humanidade.”
Sánchez, por sua vez, apesar de crítico ao regime venezuelano, também não mencionou o país em sua fala. Ele destacou necessidade de coordenação entre os países contra a extrema direita. “O auge dos movimentos ultradireitistas obedecem também à boa coordenação interna entre seus promotores e responsáveis políticos”, disse o premiê espanhol. “Minha proposta seria que esta fosse a primeira de outras reuniões que façamos de maneira sistemática, que possamos coordenar uma resposta global a um fenômeno que é global mas chega nas nações.”
Como a Folha de S.Paulo mostrou, o documento enviado por Lula e Sanchéz já focava o encontro numa crescente coordenação de movimentos de extrema direita no mundo e que as fake news têm sido usadas como arma por atores extremistas.
O presidente Emmanuel Macron (França) chegou atrasado ao encontro. Com ele, havia representantes de 14 países no encontro organizado por Brasil e Espanha. Muitos discursos mencionaram a importância da regulamentação de plataformas e redes sociais. O francês foi um desses. “Se não tivermos ordem pública do digital que seja democrática, o nosso sistema vai explodir”, afirmou.
Lula também voltou a criticar Elon Musk, ainda que sem mencioná-lo nominalmente. “Precisamos a nível universal ter uma regulação. De repente você tem um cidadão que se transformou no mais rico do mundo que ousa desafiar a Constituição dos paises que não concordam com ele. Onde é que vamos parar? Onde a democracia vai se sustentar? Está na hora dos democratas sentarem, discutirem, agirem, fazerem propostas porque a democracia continua sendo a melhor forma de lidar com os problemas da humanidade.”
Além dos presidentes já mencionados, também estavam o de Cabo Verde, José Maria Neves; do Conselho Europeu, Charles Michel; os primeiros-ministros de Barbados, Mia Motley, do Canadá, Justin Trudeau, do Timor Leste, Xanana Gusmão, além dos representantes de Noruega, Colômbia, Quênia, México, Estados Unidos, Senegal e da ONU.
RICARDO DELLA COLETTA / Folhapress