SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao indicar o ministro da Justiça, Flávio Dino, para a vaga de Rosa Weber no STF (Supremo Tribunal Federal) o presidente Lula deve reduzir a representação feminina na corte, que passa a ter apenas uma mulher dentre seus 11 integrantes, a ministra Cármen Lúcia.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o presidente anunciou a escolha a aliados, que deve ser comunicada nesta segunda-feira (27).
Cármen foi indicada pelo petista em 2006, a escolha mais demorada de seus dois primeiros mandatos. Naquela ocasião, Lula fez movimento oposto ao de agora, ampliando a presença de ministras com uma escolhida para assumir a cadeira deixada pelo ex-ministro Nelson Jobim.
Desde o primeiro semestre, o presidente sofreu pressão dos movimentos sociais pela indicação inédita de uma ministra negra ao Supremo e para manter a cadeira de Rosa com uma mulher.
Lula, porém, não cedeu aos apelos, assim como fez no primeiro semestre, quando optou por Cristiano Zanin, seu defensor nos processos da operação Lava Jato, a quem chamou de amigo.
Antes de decidir pelo nome de Dino, o presidente já havia dito que gênero e cor não seriam critérios para a indicação.
Com isso, a representação feminina na corte suprema em 9%, deixando o país como o segundo pior na América Latina, atrás apenas da Argentina, que não tem ministras mulheres.
“Vemos como um retrocesso sem precedente, principalmente porque esse presidente fez toda a sua campanha com a bandeira de inclusão. É preciso lembrar que ele subiu a rampa com negros, crianças, pessoas trans, indígenas e quando tem a caneta na mão se posiciona de modo adverso, como se fosse outros governos ali que não tinham nenhum compromisso com essas pautas”, diz Estevão Silva, presidente da Anan (Associação Nacional da Advocacia Negra).
O advogado afirma ainda que a vaga destinada a Dino tem sido ocupada por uma mulher desde o ano 2000, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso indicou a primeira mulher ao Supremo, a ex-ministra Ellen Gracie, cadeira assumida por Rosa Weber em 2011, única mulher das cinco indicações feitas por Dilma Rousseff.
Tainah Pereira, coordenadora política do movimento Mulheres Negras Decidem, que em maio fez uma primeira lista de nomes para o Supremo, afirma que a escolha decepciona, mas não surpreende pois Lula nunca recebeu juristas negras e lideranças do movimento negro para discutir a indicação.
“É muito emblemático do quanto é necessária uma compreensão maior por parte de lideranças à esquerda sobre a representatividade em cargos de poder de grupos sociais que historicamente estiveram alijados desses espaços.”
O predomínio masculino e branco tem sido uma marca das indicações petistas, responsável por 7 ministros da atual composição.
Das 9 escolhas que fez em seus três mandatos, incluindo a de Zanin, Cármen Lúcia foi a única mulher indicada por Lula, a segunda a integrar a corte. O presidente também indicou o terceiro ministro negro da do tribunal, Joaquim Barbosa.
“Para ele parece agora que o Supremo é um espaço de exercício de poder por meio de pessoas que tem que ser da sua total confiança. Como o presidente Lula depois de tantas décadas na vida pública não conseguiu estabelecer relação profissional com nenhuma mulher negra da área do direito? Isso é difícil de compreender”, afirma Ivar Hartmann, professor do Insper e doutor em direito público.
A professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, afirma que apesar da escolha de Lula, a mobilização pela indicação de uma mulher negra no STF foi importante e ampliou o debate sobre os motivos pelos quais a diversidade na composição do Judiciário importa.
“É preciso quebrar a maneira de se fazer política para que haja alguém para além do corpo de um homem branco e próximo ao círculo do poder como opção”, diz.
Para Maria da Gloria Bonelli, professora titular sênior de sociologia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), referência no estudo de gênero e profissões jurídicas, também cita a relevância da mobilização por uma ministra negra e acrescenta que a decisão de Lula reflete ainda a preferência de integrantes do tribunal.
“Sabemos que o nome do Flávio Dino saiu fortalecido de dentro da corte, então não é um assunto que a gente tem que tratar só no âmbito da nomeação por parte do presidente. Temos que fortalecer ainda mais esse movimento perante os setores do STF e segmentos políticos que são partícipes do processo de influenciar a escolha.”
Rubens Glezer, professor da FGV Direito SP e coordenador do grupo de pesquisa Supremo em Pauta, afirma que a principal mensagem deixada com a indicação é que as políticas de diversidade ainda são tratadas como favores.
“Não se trata como se tivesse uma obrigação que está sendo quebrada de manter o mínimo de mulheres no STF dada sua relevância para o ambiente de deliberação da corte. É lastimável esse recado que é dado pela cúpula do poder de que se o momento político e econômico não está favorável, se esquece os deveres de inclusão. É um jogo de homem branco”, diz.
Estudos mostram que as três únicas ministras do STF tiveram desafios adicionais por serem mulheres, como mostrou a Folha de S.Paulo. Um deles, realizado por pesquisadores da UFMG e Insper, concluiu que a probabilidade de ministras serem interrompidas era de 75% a 100% superior à dos ministros.
Apesar da sinalização contrária de Lula, a mobilização do movimento negro se intensificou nos últimos meses, com campanhas que chegaram à Times Square. A fala do presidente evitando se comprometer com uma indicação nesse sentido também foi alvo de críticas.
Pereira, do Mulheres Negras Decidem, afirma que a mobilização deve se manter para vagas no TST (Tribunal Superior do Trabalho) e outras cortes superiores, citando a advogada Vera Lúcia Araújo, como um nome que será apoiado para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Apesar da diminuição da presença feminina, Bonelli, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), chama atenção para o fato de Dino se autodeclarar pardo, assim como o ministro Kassio Nunes Marques na atual composição da corte.
“A indicação pelo menos traz uma outra diversidade, embora não tenha sido aquela que nós pleiteamos. Precisamos seguir avançando para que mulheres venham a ocupar outras posições das cúpulas dos tribunais”, diz.
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GÉSSICA BRANDINO / Folhapress