BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “passou do ponto” ao comparar a situação de palestinos na Faixa de Gaza à de judeus durante o Holocausto. Em sua visão, porém, Lula demonstrou “a indignação de um humanista”.
“Para mim, a única coisa que, vamos dizer, passou do ponto foi a comparação. Porque eu acho que aquele episódio [Holocausto], que foi a maior barbárie do século 20, é um episódio único. Agora, a indignação do presidente, se eu puder apostar, é a indignação da ampla maioria dos seres humanos no mundo”, disse o senador à Folha de S.Paulo.
Judeu, Wagner rebateu as acusações de antissemitismo feitas contra Lula pela declaração e disse que a reação do premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, é a de alguém desesperado: “O Netanyahu, em algum momento, vai ser condenado pelo que ele está fazendo”.
PERGUNTA – Como o sr. recebeu a fala do presidente Lula e o que conversou com ele?
JAQUES WAGNER – A fala do presidente é, mais uma vez, a indignação de um humanista com aquilo que está acontecendo na Faixa de Gaza. Não há, na minha opinião, quem possa concordar com o que está acontecendo. Seria a mesma coisa se eu chegasse ao Rio de Janeiro ou em qualquer lugar para tentar alcançar um traficante e bombardeasse o bairro inteiro. Na minha opinião, isso não se justifica. Essa é uma política do primeiro-ministro atual de Israel [Binyamin Netanyahu], claramente de extrema-direita e expansionista. Ele está fazendo expansão na Cisjordânia e, pelo que eu vejo, está querendo fazer também na Faixa de Gaza.
Para mim, a única coisa que, vamos dizer, passou do ponto foi a comparação. Ele ter puxado o episódio de Hitler e a matança não só de judeus –foram mortos deficientes físicos etc. Porque eu acho que aquele episódio, que foi a maior barbárie do século 20, é um episódio único. Agora, a indignação do presidente, se eu puder apostar, é a indignação da ampla maioria dos seres humanos no mundo. Ninguém pode achar razoável ficar bombardeando hospital, matando crianças, que são inocentes.
O que o presidente Lula fala, e eu acho até que já surtiu efeito, que vários países na Europa começam a falar de cessar-fogo com mais intensidade. A única coisa que ele quer é que se cesse esse fogo, que se devolvam os reféns, e que se pare de matar inocentes. Aí, no final, ele puxou aquilo ‘Ah, isso só aconteceu uma vez na história…’ Então a indignação da comunidade judaica é por aí. Agora, eu não conheço ninguém na comunidade judaica que defenda o que está sendo feito em Gaza.
Foi isso que o sr. disse para ele?
J. W. – Eu fui dizer para ele que há uma contrariedade na comunidade, em alguns. Que aquele episódio da Segunda Guerra Mundial, repito, é ímpar. Então, eu acho que puxar ele à baila para fazer qualquer tipo de comparação, na minha opinião, acaba, vamos dizer assim, atrapalhando o que ele fez. O que ele fez para mim está corretíssimo. Eu digo que eu assino embaixo até a última frase. O que ele falou? De ajuda humanitária. Ele não deixou de dizer que, se tiver alguém daquele organismo internacional que se meteu em coisa errada [Wagner faz referência à agência da ONU para refugiados palestinos, a UNRWA, alvo de denúncia de Israel pela suposta participação de funcionários nos atentados do Hamas], tem que pagar.
O que eu acho que está errado de alguns, quando fazem a crítica à política externa do atual primeiro-ministro, é que não se podem misturar judeus com Netanyahu. Como não se podem misturar palestinos com Hamas. Nem tem sentido você sair matando palestinos para querer caçar o Hamas nem tem sentido você desenvolver ou permitir desenvolver antissemitismo porque quer condenar a política externa do senhor Netanyahu. Eu condeno e, vou repetir, não sou só eu. Ele teve muita dificuldade de montar o governo. Ele tem uma maioria apertada lá. E na minha opinião, ele acaba usando a guerra para tentar, inclusive, ganhar mais popularidade.
O sr. acha que ele tenha usado o Brasil nesse episódio para ganhar popularidade?
J. W. – Ele aproveitou a fala, mas não ganhou nada. Me diga qual foi o país que deu solidariedade a ele. Ninguém. Ele que fez uma grosseria com o nosso embaixador em Israel [Frederico Meyer, que foi convocado pela chancelaria israelense de forma pública, no Memorial do Holocausto]. As coisas da diplomacia são reservadas. Chamaram ele perante a imprensa para o cara dizer que estava decretando a presença do presidente não desejável.
Eu pessoalmente, acho o seguinte: nós temos um conflito humanitário, e é estranho que o mundo silencie. Ele [Lula] ajudou tanto os judeus brasileiros a saírem de Israel quanto ajudou palestinos brasileiros a saírem da Palestina. Então, a posição dele é equilibrada. Vou repetir: se tem uma correção para fazer é o fato de ele ter puxado a comparação com o episódio da Segunda Guerra. E isso machuca uma porção de gente, de direita e de esquerda. Que, aliás, é torcedora dele. Mas que tem avô, pai, mãe que morreu e que, portanto… E eu acho também que a comparação não está correta. Por quê? Aquilo era uma máquina de morte. Fizeram campos de gás, campos de não sei o que lá. Ali foram alguns anos matando pessoas. Então, eu só acho que a puxada do exemplo histórico é que chamou a atenção. Mas do resto, na minha opinião, não tem nada para corrigir.
O sr. acha haver exagero nas acusações de que o presidente foi antissemita?
J. W. – Total. Não existe possibilidade de vicejar dentro do PT, muito menos na cabeça do presidente Lula, e as pessoas sabem disso, qualquer conceito de preconceito. De antissemitismo, de preconceito racial, de preconceito por opção sexual, isso não é a cabeça dele. Ele é um cara aberto, democrático. Agora, por isso que eu estou dizendo: o erro é de que quem condena Netanyahu ficar generalizando judeus. Eu também sou judeu. Também perdi parentes na Segunda Guerra. Eu não acho que foi esse o objetivo dele, ao contrário. Eu acho que ele foi bem claro no que ele falou. Nós estamos vivendo uma guerra de fanáticos. O Hamas de um lado e o Netanyahu do outro. Quem está pagando o preço é a sociedade civil. É contra isso que ele se insurge.
Mas houve um incômodo da comunidade judaica em relação à fala dele. Lula vai pedir desculpas?
J. W. – Aí eu não sei. O líder do governo está dizendo que acha que essa parte não foi perfeita.
E sobre a reação de Israel?
J. W. – A reação de Israel é de alguém, na minha opinião, sinceramente, desesperado, que quer se aproveitar de qualquer coisa. O Netanyahu, em algum momento, vai ser condenado pelo que ele está fazendo.
Então ele não vai pedir desculpas?
J. W. – Para o Netanyahu não faria nem sentido. Por que ele pediria desculpas?
E para Israel?
J. W. – Ele pode, eventualmente, se ele quiser, esclarecer, mas não sei se vai fazer. Eu estou falando como líder do governo com a liberdade de quem conversou com ele ontem.
Onde o sr. acredita que vá parar essa história?
J. W. – Já parou. Porque uma coisa é um comentário do presidente da República. Outra coisa é ele decretar que é persona non grata etc, ou fazer o que ele fez. Ontem o chanceler Mauro Vieira já chamou o embaixador de Israel, tiveram uma conversa. Ele deve ter registrado a insatisfação do Brasil.
A resposta vai ser diplomática, é isso?
J. W. – Não, não tem mais resposta a ser dada. Ele fez um comentário, ele falou. Vai depender do tratamento que eles vão dar diplomaticamente. Nós não temos nenhum interesse em estressar as relações com o Estado de Israel, com quem a gente tem uma relação que eu considero muito boa. Separe o Estado de Israel da figura Netanyahu.
Por causa dessa declaração, há quem afirme que o presidente Lula não tem mais lugar para ser um mediador da paz. Há essa intenção?
J. W. – Ele não faz questão de ser mediador. Mas eu acho que ele tem todas as condições.
O sr. acha que ele tem condições de mediar conflitos?
J. W. – Todos não, porque também ele não vai ficar se dedicando só a uma pauta internacional. Agora, eu estou dizendo o seguinte: isso não tira o direito dele. Vou repetir, na Europa você vê alguém se levantar em solidariedade ao Netanyahu? Manda o pessoal do seu jornal procurar, não conheço. Ninguém se solidarizou a ele pela, em tese, ofensa do presidente Lula a ele. Não conheço. Porque não há quem concorde com aquilo que está lá. Eles se aproveitam do ato terrorista do Hamas para dizer ‘Não, mas eles mataram’. Sim, eles mataram 1.200, vocês já mataram 30 mil, como é? Não está certo.
THAÍSA OLIVEIRA / Folhapress