SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Lula sancionou nesta segunda-feira (15) a chamada cota de tela, lei considerada essencial para proteger o cinema brasileiro. A partir de agora, empresas de cinema serão obrigadas a exibir longas nacionais em sua programação, observando o número mínimo de sessões e a diversidade dos títulos. A medida vale até 31 de dezembro de 2033
Além disso, a exibição das obras deverá ser feita de forma proporcional durante o ano, sendo atribuição da Ancine, a Agência Nacional do Cinema, fiscalizar o cumprimento da determinação. Caso a lei seja desrespeitada, as empresas estarão sujeitas a multas e advertências.
Como a Folha de S.Paulo já mostrou, sem a cota, praticamente todos os filmes nacionais -inclusive os mais comerciais- ficam relegados a sessões anteriores às quatro da tarde, horário em que os cinemas ficam mais vazios.
“Os Aventureiros: A Origem”, protagonizado pelo youtuber Luccas Neto e distribuído pela Warner, foi lançado no ano passado e teve, no fim de semana de estreia, 160 sessões por dia na cidade de São Paulo. Um levantamento feito a partir de dados do Filme B, do Ingresso.com e da Comscore aponta que 55% delas aconteceram antes das três da tarde e apenas 12% nos horários nobres, após as cinco da tarde.
O governo também anunciou a sanção do trecho da lei aprovada pelo Legislativo que estabelece um tempo mínimo para exibição de conteúdo nacional, em especial os produzidos por produtora independente, em TVs por assinatura.
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, anunciou a sanção após reunião com Lula. “Para nós é um momento muito importante e significativo a retomada da cota de tela para audiovisual e indústria cinematográfica”, afirmou.
O projeto, de autoria do deputado licenciado Marcelo Calero, do PSD, já havia sido aprovado pela Câmara em outubro de 2023 e pelo Senado em dezembro.
“A cota de tela para o cinema brasileiro é um dos principais mecanismos para a reconfiguração do setor audiovisual do nosso país, especialmente por estabelecer critérios essenciais para o acesso da população à produção nacional e para garantir espaços de exibição à produção audiovisual brasileira”, escreveu o senador Humberto Costa, do PT, que fez a relatoria da proposta.
Segundo a produtora de cinema Mariza Leão, a cota é uma medida essencial para proteger o cinema brasileiro. “Ela é uma tentativa de equilibrar a oferta de obras plurais no mercado de sala e de restringir a ocupação predatória de blockbusters no mercado. Dessa forma, os filmes brasileiros não serão retirados de circulação em 24 horas ou 48 horas, como tem acontecido.”
Maeve Jinkings, atriz de filmes como “Aquarius” e “O Som ao Redor”, faz coro a essa opinião e diz que a cota de tela é uma forma de garantir a liberdade de escolha do espectador. Isso porque, afirma a artista, a lei estimula mais diversidade nos cinemas.
“Sabemos que o volume brutal de publicidade dos filmes estrangeiros configura o imaginário e até mesmo a sensibilidade do espectador. A medida ajuda a solidificar a indústria nacional para que possamos espelhar mais identidade nacional”, diz ela, acrescentando que a lei ajuda a fomentar o mercado audiovisual, estimulando o surgimento de novos profissionais.
“Eu mesma não seria atriz hoje se não tivesse a chance de ter visto grandes artistas em filmes nacionais, ainda na minha infância. Filmes só existem no encontro com o espectador, e o mínimo que desejamos é que isso aconteça dentro do nosso país.”
Segundo ela, o gosto do público ficou mais condicionado a narrativas estrangeiras no período em que a cota de tela foi paralisada. “Agora as pessoas precisam correr na primeira semana de exibição ou o filme sai de cartaz. Nem sequer dá tempo de boca a boca.”
O último modelo de cota a vigorar no país havia sido estabelecido por uma medida provisória de 2001, que previa a regulamentação anual do mecanismo via decreto presidencial. O último decreto foi assinado em dezembro de 2019. A medida venceu em 5 de setembro de 2021 e nada a substituiu.
Mundialmente, o marco zero da política de cotas é a rodada do GATT, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, de 1947, durante a qual os negociadores franceses defenderam que os filmes não podiam estar submetidos às regras vigentes para produtos como carros e sapatos.
MATHEUS ROCHA E MATHEUS TEIXEIRA / Folhapress