BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender, nesta segunda-feira (26) a adoção de uma moeda comum com a Argentina, assim como a liberação de crédito para fomentar exportações brasileiras para o país vizinho.
O mandatário ainda disse que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) poderá financiar um gasoduto na Argentina, como parte de uma lista de quase 100 pontos que vão marcar o relançamento da parceria estratégica entre os dois países.
A declaração foi dada após encontro com o mandatário argentino, Alberto Fernández, no Itamaraty. Esta é a sua quarta visita desde que Lula foi eleito. Desta vez, ocorre pela celebração dos 200 anos das relações diplomáticas entre os dois países.
“Precisamos avançar nessa direção com novas e criativas soluções que permitam maior integração financeira e facilite nossas trocas. Entre as opções, está a adoção de moeda de referência específica para o comércio regional que não eliminará respectivas moedas nacionais”, afirmou a jornalistas.
“Hoje adotamos um ambicioso plano de ação para relançamento da aliança estratégica. São quase 100 ações que dão concretude ao nosso projeto conjunto de desenvolvimento. Fico muito satisfeito com as perspectivas positivas de financiamento do BNDES à exportação de produtos para a construção do gasoduto Nestor Kirschner”, afirmou Lula.
“Estamos trabalhando na criação de uma linha de financiamento abrangente das exportações brasileiras para Argentina. Não faz sentido que o Brasil perca espaço no mercado argentino para outros países porque esses oferecem crédito e nós não. Todo mundo tem a ganhar, as empresas, os trabalhadores brasileiros e os consumidores argentinos”.
Após as declarações, Fernández foi condecorado com o Grande Colar da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. A primeira-dama argentina, Fabiola Yáñez, recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco.
A Argentina aposta na construção do gasoduto para alcançar a independência nessa fonte de energia até 2025 e aliviar sua dura crise econômica, já que o governo poderá desde já economizar nas importações e reduzir a falta de dólares que impulsiona a altíssima inflação.
O primeiro trecho do gasoduto começou a funcionar na última terça-feira (20).
Fernández e Lula trocaram elogios nesta segunda, como de praxe. Os dois ressaltaram a proximidade dos dois países e se chamaram de amigos.
“Nada é fácil porque vocês têm um amigo em problemas. Mas quando o amigo está em problemas, o que ele faz, o amigo em problemas, é pedir ajuda para os amigos. E os amigos sempre estão aí”, afirmou Fernández.
No fim da tarde, o Ministério das Relações Exteriores divulgou a lista dos 90 pontos para o relançamento da parceria estratégica entre Brasil e Argentina.
Na questão do financiamento, além de financiar exportações para o país vizinho e a construção do gasoduto Presidente Néstor Kirchner, o BNDES pode estruturar e decidir sobre a operação de crédito para financiar a venda à Argentina dos blindados Guaranis.
Os Guaranis foram desenvolvidos pelo Exército Brasileiro, como um veículo blindado de transporte de passageiro médio. É uma das apostas da força para impulsionar as exportações para países vizinhos, no âmbito da proposta de relançar a indústria bélica brasileira. Eles substituíram os antigos Urutus, que foram usados na operação de paz no Haiti.
O plano apresenta um grande foco no fortalecimento do Mercosul, entidade que se viu sob ataques durante a ascensão de regimes mais conservadores nos últimos anos. O texto prevê, por exemplo, modernizar o regime de origens e de comércio de serviços do bloco. Um outro item também prevê ” trabalhar conjuntamente para aprofundar a agenda política do Mercosul”.
Na área das comunicações, há um ponto que prevê trabalhar pela aprovação parlamentar e a implementação do acordo para eliminação da cobrança de encargos de roaming internacional no Mercosul, em uma era em que boa parte das chamadas telefônicas se dão por aplicativos de mensagem.
Os primeiros itens do plano de ações tratam de algumas obras de infraestrutura ligando os dois países. Prevê a definição do futuro regime para gestão e manutenção da Ponte Santo Tomé – São Borja (RS) e também para reformar a Ponte Internacional Uruguaiana (RS) e Paso de Los Libres, que é a principal ligação seca entre os países.
Também está prevista a construção de uma ponte entre Porto Xaviar (RS) e San Javier. A ligação é uma demanda história de parlamentares do Rio Grande do Sul.
O texto também menciona que o Brasil seguirá apoiando os “legítimos direitos” da Argentina na disputa de soberania em relação às Malvinas, além das Ilhas Geórgia do Sul e Sanduích do Sul.
O país vizinho, que terá eleições presidenciais em menos de quatro meses, enfrenta sua terceira grande crise econômica em 40 anos de democracia, com inflação que passa dos três dígitos desde fevereiro.
Ainda assim, é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás de China e Estados Unidos.
O chefe do Executivo argentino foi recebido no Planalto com uma cerimônia, com direito a orquestra, seguido de uma reunião e depois um almoço no Itamaraty.
Após a recepção, Fernández se encontrou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco -que se comprometeu a atuar com o governo para saber como o Congresso pode atuar em relação ao tema. “O problema da Argentina também gera reflexos no Brasil”, afirmou Pacheco.
Depois, o mandatário argentino se reuniu por aproximadamente meia hora com a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber, e os ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin. Também estava no encontro o procurador-geral da República, Augusto Aras.
Na reunião, eles discutiram sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Rosa descreveu o episódio de depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília, e falou sobre a reconstrução do prédio do Supremo. Também comentaram sobre o sistema de Justiça brasileiro e as atribuições do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Já na próxima semana, nos dias 3 e 4 de julho, os dois chefes de Estado se encontrarão pela quinta vez, na reunião do cúpula do Mercosul, em Puerto Iguazú, Argentina.
Além de ter comparecido à posse de Lula, o argentino esteve no Brasil em 2 de maio para discutir com o petista a crise econômica que assola o país. Deixou Brasília sem dinheiro, como disse Lula, mas com a promessa de que haveria esforço do governo brasileiro em criar espécie de fundo garantidor para ajudar a Argentina com participação do banco dos Brics, o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento).
Depois, no fim de maio, o presidente argentino esteve mais uma vez no Brasil, mas para o encontro de países sul-americanos em Brasília.
Lula também tem colocado a relação entre os dois países entre suas prioridades na política externa. Buenos Aires foi o primeiro destino internacional do petista após assumir o cargo, em janeiro.
MARIANA HOLLANDA E RENATO MACHADO / Folhapress