SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Seis postes com luminárias japonesas foram substituídos por outras de LED na rua dos Aflitos, no bairro da Liberdade, na última segunda-feira (18). A Prefeitura de São Paulo atendeu ao pedido de uma associação local que busca o reconhecimento do beco como patrimônio dos povos negros e indígenas.
As luminárias orientais obstruíam a visualização da Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, que fica no final da rua, segundo a Unamca (União dos Amigos da Capela dos Aflitos). No restante do bairro, elas foram mantidas.
“Não somos contra a memória japonesa, mas as luminárias não têm a ver com o prédio histórico”, diz Eliz Alves, 60, coordenadora da Unamca. “Não é luxo nosso, é preciso que a cidade tenha sensibilidade com um patrimônio de 245 anos.”
Herança da história negra e indígena do centro de São Paulo, a Capela dos Aflitos é o que sobrou do Cemitério dos Aflitos, primeira necrópole pública da cidade de São Paulo, inaugurada em 1774.
Destinado ao sepultamento de indigentes, escravizados e indígenas, o local foi desativado em 1858 com a inauguração do cemitério da Consolação e teve seu terreno loteado.
“O que São Paulo busca apagar está guardado ali”, afirma Alves sobre o beco que é tomado por caminhões, vans e motos que abastecem estoques de lojas na região. “A rua é uma doca, não conseguimos nem abrir o portão da capela”, completa ela.
A Prefeitura de São Paulo afirma, em nota, que a decisão respeita a diversidade cultural e histórica da cidade. “As lanternas, que remetem à imigração japonesa, foram consideradas inadequadas para o local, uma vez que o Beco dos Aflitos abriga a Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, um marco histórico da época da escravidão no Brasil.”
A pasta diz que buscou garantir que a memória de cada grupo seja adequadamente representada. “As lanternas suzuranto foram mantidas no restante do bairro, preservando a herança da imigração japonesa.”
Nas redes sociais, perfis se posicionam contra a substituição das luzes. “Apoiamos a cultura negra, mas não acreditamos em derrubar uma cultura para impor outra. Esse não é o melhor caminho”, publicou a página Minha Liba, que tem 35 mil seguidores.
“Achamos uma falta de respeito com todo o trabalho que os orientais tiveram para construir o bairro. A igreja é um patrimônio histórico do nosso bairro, mas as suzurantos também são”, conclui a publicação, curtida pela Acal (Associação Cultural e Assistencial da Liberdade).
Para o arquiteto Silvio Oksman, a Liberdade concentra uma somatória de camadas histórias, assim como o bairro do Bom Retiro.
“Essas disputas na cidade são saudáveis”, diz Oksman, 52, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do Ibmec-SP. “É absolutamente legítimo ter um grupo organizado reivindicando sua memória, temos que ouvi-los, assim como temos que ouvir a comunidade japonesa que também reconhece ali seu território.”
Segundo ele, essa é uma questão que não existia há 20 anos na cidade. “É um bom debate, que mostra que evoluímos como sociedade”, diz ele.
A União dos Amigos da Capela dos Aflitos conseguiu em 2023 o restauro da capela pelos órgãos estadual e municipal do patrimônio histórico. Erguida em taipa de pilão e revestida posteriormente com tijolos e concreto armado, a construção foi tombada em 1978, mas tem uma série de problemas estruturais.
Após pressão do movimento negro, o então prefeito Bruno Covas sancionou em janeiro de 2020 uma lei que prevê no terreno a criação de um memorial que resgata a história dos negros e negras que viveram na Liberdade durante o período da escravidão.
O novo projeto prevê a reforma de toda a parte elétrica e de iluminação da igreja, que ganhará também sistemas de proteção contra incêndios e contra descargas elétricas na torre.
GABRIELA CASEFF / Folhapress