SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tudo é ilusório e efêmero. O que à primeira vista parece ser um cubo não resiste a um exame mais atento e se mostra uma superfície plana. O mesmo acontece com as pirâmides e os paralelepípedos de Lydia Okumura, artista que fez da abstração geométrica uma forma de ultrapassar os limites da matéria e questionar o que os olhos conseguem ver.
A maior parte de seus trabalhos ocupa um não lugar. Eles estão entre o tridimensional e o bidimensional. Exemplo disso é a série “The Appearance”, na qual ela usou barbantes para criar figuras que parecem prestes a romper o plano e se libertar da parede em que foram pintadas.
Algo parecido acontece com as pirâmides e os triângulos do quadro “No Centro”. Quem observa a obra tem a impressão de que as figuras estão saindo da tela. “Ou de que a gente está entrando dentro dela”, diz Alexandre Roesler, sócio da galeria Nara Roesler.
Neste sábado (8), o espaço dará início à exposição “A Imaterialidade em Tudo”, realizada de forma simultânea com a galeria Martins & Montero.
Com 31 obras elaboradas entre os anos 1970 e 1990, a mostra celebra as cinco décadas de carreira de Okumura, artista de 76 anos que mora em Nova York, nos Estados Unidos, mas nasceu no Brasil em uma família japonesa.
Essa tríade cultural, aliás, explica por que os triângulos aparecem com frequência em seus trabalhos. Explica também o motivo pelo qual seu nome se mantém atual no mercado das artes. Estamos falando, afinal, de um setor que tem dado espaço a artistas diaspóricos, ou seja, pessoas que estão longe do seu local de origem.
Não à toa, a 60ª edição Bienal de Veneza deu destaque a migrantes, expatriados e refugiados sob o título “Foreigners Everywhere”, ou estrangeiros em todos os lugares.
Em razão disso, Roesler diz que deve levar os trabalhos de Okumura para uma exposição em Nova York.
“É uma forma de ampliar ainda mais e dar visibilidade ao seu trabalho”, diz ele, para quem a artista foi uma pioneira. “Ela cria pinturas que saem das paredes e viram praticamente objetos. Foi uma característica definidora de uma nova forma de fazer e de abordar a abstração geométrica.”
Visão parecida tem Jaqueline Martins, marchande à frente da galeria Martins & Montero. “Foi uma pioneira incontestável nessa formalização da abstração geométrica.”
Esse pioneirismo fez com ela se tornasse a primeira artista brasileira a integrar a coleção do Metropolitan Museum of Art, em Nova York, com a “Beyond and Behind”, de 1978. Além disso, tem obras em instituições como a Pinacoteca, o MoMA e o MAC-USP.
Martins explica que Okumura desafia a percepção visual das pessoas. Isso porque os objetos vão se transformando a depender do ponto de vista do observador. “É um trabalho vivo. Ele não está estagnado, e sim em movimento a partir da percepção de cada um.”
São trabalhos que remetem à transitoriedade, conceito basilar no projeto estético de Okumura. Muitas de suas pinturas, inclusive, foram apagadas das paredes quando as exposições chegaram ao fim.
“O que ela está pensando e propondo é que a gente olhe para o trabalho para além da matéria. Para ela, os seres humanos e as obras são mais do que matéria. Por isso, é um trabalho sobre luz, percepção de ângulos e pontos de vista”, diz a marchande.
Mais do que um projeto estético, a imaterialidade e a transitoriedade são uma espécie de filosofia para Okumura. “É um trabalho muito meditativo, quase um transe mesmo. Ele busca transcender a matéria, algo que é muito da cultura japonesa.”
É uma prática distante dos museus tradicionais -espaços que trabalham com a permanência e a materialidade –e próxima da arte conceitual, expressão que valoriza a ideia em detrimento da matéria.
Fred Sandback é um dos precursores desse movimento. O americano se notabilizou por construções minimalistas com fios de lã acrílica e pelo diálogo com o espaço expositivo.
Sol LeWitt foi outro expoente da arte conceitual. Para o artista, trabalhos podiam ser destruídos, repintados ou feitos em outro lugar, o que dava ênfase a efemeridade como elemento central da arte conceitual.
Okumura foi assistente de LeWitt durante os anos 1970, quando ela se mudou para Nova York e estudou no Pratt Graphics Center. No começo da carreira, a artista se dedicou a instalações e, posteriormente, aos quadros num caminho inverso ao trilhado por artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark.
Apesar de ter transitado entre as duas linguagens, expôs poucas vezes as pinturas. Para Martins, isso aconteceu porque havia grande demanda dos museus pelas instalações.
“Quando ia para a pintura em telas ou no papel, ela falava que o desejo era captar as instalações em uma espécie de cápsula”, diz a marchande. “Olhava essas obras pensando sempre que elas têm uma profundidade que vai além do que está na tela plana.”
MATHEUS ROCHA / Folhapress