MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Para o sociólogo francês Sebastian Roché, professor da Universidade de Grenoble-Alpes e especialista em políticas de policiamento, o presidente Emmanuel Macron busca maneiras de ser duro na reação aos atos provocados pela morte de Nahel, 17, pela polícia, para que a extrema direita não consiga emparedá-lo.
“Eles podem dizer: ‘Você é fraco, Macron. Somos fortes e merecemos estar no poder’. Então ele tenta ser duro”, afirmou à Folha Roché, pesquisador com enfoque na relação cidadão-polícia.
Após as revoltas de 2005 na França, Roché participou do estudo “Modelagem Epidemiológica dos Motins Franceses de 2005: Uma Onda Crescente e o Papel do Contágio”, que mostrava como as manifestações duravam cerca de cinco dias e depois passavam para outras cidades.
É isso que o faz acreditar que os tumultos atuais não voltarão a ocorrer nos próximos dias. “É uma lei estatística”, diz o sociólogo.
P. – Como essas revoltas vão impactar a França?
SEBASTIAN ROCHÉ – Macron não está dando uma mensagem clara sobre o que quer fazer. Ele oferece mensagens ambíguas. Uma possibilidade é que o partido majoritário e o presidente queiram se debruçar na legislação que é a causa desses distúrbios. Essa regra, de 2017, permite que a polícia atire mesmo na ausência de ameaça iminente. Ela pode atirar caso acredite que algo vai acontecer no futuro [o policial que atirou em Nahel disse que o carro poderia atropelar pessoas].
Ele também está pensando em impor sanções aos pais dos garotos [que estão protestando] nas ruas. Se fizerem algo errado, podemos multar os pobres, porque eles não são eficientes com seus filhos.
E ele insiste nos valores das pessoas. Ele acredita que, se as pessoas destroem as coisas, é porque não têm bons valores. Não é porque são pobres, não é porque estão furiosos, não é porque foram baleados pela polícia, é porque não têm valores. É uma explicação tradicional de direita. Se for esse o caso, ele não alterará a lei de 2017, mas vai fortalecer os poderes de polícia para distribuir multas à população.
P. – Esse tipo de multa já existe na França?
SR – Não, porque não é possível punir alguém pelo erro de outra pessoa. Se eu matar minha esposa, você não pode punir os meus pais. Mas Macron tenta encontrar uma maneira de você ser multado caso seu filho faça algo errado. Não me parece viável legalmente, mas politicamente pode vender bem. Esse é o novo assunto do governo. “Não somos nós que fazemos um mau governo, é o partido da oposição, é a mídia social, é o videogame, você sabe, esse é o novo ponto de discussão. Não somos nós, são os pais”.
P. – Alguns políticos na Polônia e na Itália afirmam que as cenas na França dão força para suas pautas de leis mais rígidas sobre migrações, já que Nahel tinha ascendência argelina. Como vê isso?
SR – Imigração e minoria são coisas diferentes. Os pais de pessoas de bairros pobres provavelmente nasceram na França, seus avós provavelmente nasceram na França, mas seus bisavôs eram da África. É uma mistura. Alguns são migrantes recentes, mas é a minoria da minoria. Portanto, essas pessoas são francesas, têm passaporte francês, carteira de identidade francesa etc.
Mas, para a extrema direita, não importa se você é francês. Se sua pele é negra, você não pode ser francês. Ou não pode ser italiano. Porque eles têm esse entendimento de cidadania baseada na raça.
E é como se você não pudesse ser negro e francês. A extrema direita é poderosa porque está representada no Parlamento. Macron não é tão ruim quanto a extrema direita, mas está tentando ser duro porque não quer que Marine Le Pen e a extrema direita possam emparedá-lo.
Eles poderiam dizer: “Você é fraco, Macron. Somos fortes e merecemos estar no poder”. Então ele tenta ser duro.
P. – Como vê a campanha de arrecadação que a extrema direita fez para o policial que matou o jovem?
SR – Vejo que tem gente que acha uma boa ideia atirar em negros, árabes e minorias. Essas pessoas existem e dizem: “Bem, a polícia é violenta, mas isso é bom. Bons policiais precisam ser violentos”. Então apoiam o uso excessivo da força. Sabem que é ilegal, “mas é necessário”.
P. – Os tumultos acabaram ou há riscos de que tudo volte?
SR – Com base em pesquisas anteriores, não deveriam voltar. Estudamos os distúrbios de 2005, e os ciclos de tumultos na França e em outros países duram em média cinco dias. Depois, os manifestantes em geral estão cansados, porque se revoltam todas as noites. Têm que correr, fugir, atirar pedras na polícia, subir no telhado, descer etc. Tem que ser jovem para fazer isso. Mesmo os jovens, após alguns dias, cansam.
É uma lei estatística. Em Los Angeles, em 1992, foram seis dias. Se você tiver muitas cidades, a duração total do tumulto pode ser de um mês porque ele se move por um país. Mas se você pegar o tumulto em um só lugar, são cinco dias. Pode acontecer que o tumulto recomece, como foi na França em 2005.
P. – Em 2005, duraram três semanas.
SR – Naquela ocasião, dois adolescentes morreram, começou o tumulto, passou uma semana e depois diminuiu. Mas aí veio a polícia de novo e atirou uma granada na frente de uma mesquita. Então, todo mundo acreditou que a polícia tentou jogar uma granada dentro da mesquita e tudo começou de novo. Não acho que vai começar de novo agora. Arrisco-me a dizer isto porque já se espalhou por todo o país.
RAIO-X | SEBASTIAN ROCHÉ, 62
Professor da Universidade de Grenoble-Alpes e especialista em políticas de policiamento com enfoque na relação cidadão-polícia, o sociólogo francês é autor de uma série de artigos e livros, incluindo “La Policía en Democracia” (2019), traduzido para o espanhol pela Ediciones Radio Universidad de Chile.
IVAN FINOTTI / Folhapress