FOLHAPRESS – O par “beleza e tristeza”, título do último romance publicado pelo escritor e Prêmio Nobel de Literatura japonês Yasunari Kawabata, bem poderia traduzir o efeito da ópera “Madame Butterfly”, do compositor italiano Giacomo Puccini.
Escrita em plena maturidade criativa para estreia, em 1904, no Teatro alla Scala, de Milão, com libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, a história da gueixa Cio-Cio-San que se casa em Nagasaki com o oficial da marinha americana está em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo.
Na estreia da nova montagem, dirigida por Lívia Sabag, com cenografia original do Teatro Colón, de Buenos Aires, e tendo a Orquestra Sinfônica Municipal e o Coral Paulistano regidos por Roberto Minczuk, o teatro estava lotado e, na quente noite paulistana, o ar-condicionado não deu conta do recado.
O público aguentou firme o calor e vibrou com a bela música de Puccini –que não era apresentada pela casa desde 2008, quando a Orquestra Experimental de Repertório utilizou belíssimos cenários de Tomie Ohtake.
Embora correta em sua realização e competente na execução, a montagem parece não ir suficientemente fundo na dramaticidade musical-teatral: falta beleza e tristeza.
Submetidos a uma direção que busca marcar a aridez do ambiente e explicitar graus de pobreza, os belos cenários vindos da Argentina apenas moldam exteriormente a trama, e o efeito de localizar fora da casa as cenas de maior intimidade social e pessoal –como o complexo dueto de amor do primeiro ato–, com os protagonistas deitados sobre o chão bruto, parece enfraquecer o drama.
A iluminação de Caetano Vilela, geralmente um destaque, também não contribui para amplificar a densidade teatral.
O primeiro ato foi um pouco arrastado no tempo, com a orquestra invasiva demais, e a real potência vocal do casal protagonista também não foi traduzida em sutilezas: tanto a soprano italiana Carmen Giannattasio, interpretando Butterfly, como o tenor espanhol Celso Albelo, como Pinkerton, poderiam ter aprofundado a ampla gama de matizes e estados anímicos que a partitura proporciona.
A direção musical sem muito brilho parece também ter contaminado a atuação dos cantores que interpretaram Suzuki (Ana Lucia Benedetti), Sharpless (Douglas Hahn) e Goro (Jean William). Houve, no entanto, um crescimento e maior equilíbrio das performances a partir do segundo ato.
Contudo, a superposição de imagens de “Oharu”, filme de 1952 do cineasta japonês Kenji Mizoguchi, usada em momentos estratégicos, é acertada e extremamente impactante, e poderia ter sido assumida de modo ainda mais explícito pela direção cênica.
As belas melodias de Puccini surgem teatralmente, como se canções já estivessem em curso, apenas esperando a alta rotação emocional de seus pontos culminantes. São “meias canções”, e assim como emergem, logo depois passam a segundo plano, no inconsciente subjacente à vida.
Nesse sentido, a pertinente discussão sobre o uso que o compositor faz de temas orientais –que podem, de fato, denotar uma visão estereotipada da cultura japonesa– ganharia muito com uma análise mais detalhada da própria partitura.
A questão pode ser aprofundada se considerarmos quando e quanto de ironia pode haver nesse uso. Afinal, a cultura dos Estados Unidos também é apresentada de modo bastante tosco –ironicamente, claro–, bastando notar que o nome do “yankee errante” apreciador de whisky, o tenente de moral fraca que destruirá a vida de Butterfly chama-se Benjamin Franklin Pinkerton, ao que se soma a utilização quase cômica, em muitos momentos, do hino nacional estadunidense.
Em camadas mais profundas, atrás de tais marcadores, nacionais e legais, de relações necessariamente desiguais, subjaz a tragédia de uma mulher, escancarada sonoramente pela assombrosa arte de Puccini.
MADAME BUTTERFLY
Avaliação: Bom
Quando: ter. (19/3), qua. (20/3) e sex. (22/3) às 20h; dom. (17/3) e sáb. (23/3) às 17
Onde: Theatro Municipal de São Paulo – pça. Ramos de Azevedo s/n, São Paulo
Preço: Ingressos esgotados
Classificação: 12 anos
Autoria: Giacomo Puccini
Elenco: Com Carmen Giannattasio e Celso Albelo
Direção: Livia Sabag e Roberto Minczuk
SIDNEY MOLINA / Folhapress