Maduro engana e faz chacota de Lula, diz María Corina à Folha três meses após eleição

MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) – Líder da oposição na Venezuela, ainda que inabilitada pela Justiça aliada do regime chavista para concorrer a cargos públicos no país, María Corina Machado afirma que a posição adotada pelo Brasil diante da contestada reeleição do ditador Nicolás Maduro falhou.

Três meses após o pleito de 28 de julho, que inaugurou um amplo período de repressão contra os antichavistas, a ex-deputada diz que Maduro enganou e zombou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), usando o tempo para manobras que o sustentassem no poder.

De local não revelado na Venezuela, ela falou à Folha por videochamada e pediu ação da Justiça internacional. “Nós fizemos nossa parte, arriscamos tudo a um altíssimo custo pessoal.”

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*Folha – O regime disse que a sra. não está mais na Venezuela, o que a sra. desmentiu. Pensa em algum momento sair do país, como fez Edmundo González?*

*María Corina Machado -* Todas as pessoas envolvidas nas eleições, neste momento, estão ou exiladas, ou asiladas, ou escondidas ou presas. Não sei se o mundo entende a magnitude da perseguição política que se desencadeou na Venezuela. No meu caso, Maduro me acusou de terrorismo e diz que sou foragida da Justiça. Dizem que sabotei o sistema eleitoral.

Tudo o que acontece na Venezuela acabam me culpando. Estou, como muitos venezuelanos, resguardada. Decidi continuar na Venezuela, dando apoio e acompanhando daqui a luta dos venezuelanos, mas não quero facilitar ao regime a possibilidade de me neutralizar.

*Folha -* A saída de González enfraqueceu a oposição? Ele explicou suas razões, mas o trabalho não se torna mais difícil com ele na Europa?*

*María Corina Machado -* Não tenho nenhuma dúvida de que o que o regime buscava era isso, desmoralizar as pessoas, nos dividir, separar Edmundo e eu, e assim paralisar as ações da comunidade internacional para ver se conseguia virar a página. Ocorreu exatamente o contrário.

Foi uma operação tão grosseira e cruel, que envolveu vários países, incluindo o Brasil [o regime cercou a embaixada da Argentina, sob a guarda brasileira, horas antes do exílio de González], a ponto de gerar repúdio nacional e internacional. Eles fizeram Edmundo sentir que ou era o exílio ou era o [presídio de] Helicoide, o maior centro de tortura da América Latina, que fica aqui. Diante disso, ele sentiu que seria muito mais útil fora e, de fato, está fazendo um trabalho incrível. O tiro saiu pela culatra para o regime de Maduro.

*Folha – Parece que as negociações do Brasil e da Colômbia com Caracas morreram. Não há abertura do regime para negociar com vocês e com esses países. Como vê esse tema?*

*María Corina Machado -* Para que o regime tenha incentivos para negociar, precisa sentir que sua permanência no poder a cada dia é mais complicada. Hoje Maduro sente que pode silenciar todos os jornalistas, acabar com a dissidência, sequestrar crianças. Há 68 crianças e adolescentes presos.

Alguns foram submetidos a choques elétricos, obrigados a gravar vídeos dizendo que eu lhes dei dinheiro para sair às ruas para protestar. Ao ponto de que, na semana passada, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, a missão de investigação qualificou como crimes contra a humanidade o que está acontecendo na Venezuela. Mas Maduro sente que pode fazer tudo isso, e o custo é zero. Ele sabe que nunca vai recuperar a legitimidade (…). E então pensa que pode seguir a sangue e fogo.

A comunidade internacional precisa tomar uma posição muito mais firme e muito mais dura frente a Nicolás Maduro.

*Folha – Esperava mais de Lula? O Brasil se absteve em votação na ONU para renovar a missão de investigação na Venezuela.*

*María Corina Machado -* Na etapa prévia à eleição, a posição de Lula foi muito importante em momentos críticos no qual o regime buscava fechar a via eleitoral. Após a eleição, tanto ele quanto Gustavo Petro [presidente da Colômbia], buscando manter uma interlocução, decidiram tomar uma posição, digamos, mais prudente.

Agora já passaram três meses e, evidentemente, o regime está enganando a todos, inclusive Lula e Petro, porque é evidente que Maduro usou este período para reprimir mais forte do que nunca. Nem sequer atendeu ao telefonema [de Lula] e busca zombar.

Veja esta manobra com o Brics, essa coisa patética. O Brasil foi muito bem [ao barrar Caracas]. Mas para mim é incompreensível a votação no Conselho de Direitos Humanos, porque no final, se há algo que eu sei que no Brasil se valoriza, é todo o sistema de direitos humanos.

Uma coisa é manter uma interlocução com Maduro, mas outra é ser indiferente à dor de uma sociedade. Chegou o momento de ter uma posição muito mais dura frente a Maduro.

Nem sequer se conseguiram os salvo-condutos dos meus companheiros que já estão há sete meses na embaixada da Argentina sob a proteção do Brasil. É uma chacota de Nicolás Maduro.

*Folha – A diplomacia brasileira afirma que é preciso manter alguma linha de contato com o regime, já fechado para a maior parte do mundo.*

*María Corina Machado -* Pois o silêncio também não serviu para isso. Essa posição de, digamos, neutralidade, não serviu. Claro que é importante que haja contato, e quem tem proposto desde o dia 1 uma negociação para a transição democrática somos nós. Deixamos muito claro que estamos dispostos a dar incentivos e garantias.

Agora, isso não significa que você tem que ter uma posição de indiferença ou de fraqueza, muito pelo contrário, a verdade é a verdade, e o regime tem que entender que toda negociação tem que partir do reconhecimento do 28 de julho.

Precisamos que a comunidade internacional se comprometa a fazer o que lhe corresponde. Nós fizemos nossa parte. Nós, venezuelanos, arriscamos tudo a um altíssimo custo pessoal.

*Folha – O que sustenta Maduro no poder?*

*María Corina Machado -* A Maduro resta a alta cúpula militar. O sistema instalado na Venezuela é absolutamente militar, com dois braços repressores: o armado, para o qual usam alguns setores dos militares, das polícias e dos paramilitares, os chamados coletivos, e um braço repressivo judicial, com esses tribunais de terrorismo. O terceiro pilar é o dinheiro que entra por meio de atividades ilícitas, como narcotráfico, contrabando de ouro e de outros minerais, tráfico humano, prostituição.

*Folha – Há sinais de uma possível ruptura militar? Membros da oposição dizem que um levante seria a saída, mas o que se ouve é que seria inviável.*

*María Corina Machado -* Esses são temas superdelicados, prefiro falar sobre fatos. Número um: os militares colaboraram para que a lei fosse cumprida no dia da eleição e nós, da oposição, tivéssemos acesso às nossas atas.

Número dois, vejamos o que está ocorrendo nos próprios grupos que compõem o regime: estão se acusando mutuamente, e eu acredito que esses são sinais de que a confrontação interna é enorme, entre outras coisas porque muitos já sabem que um processo de transição é irreversível. Ninguém pode dizer quanto falta, mas este regime nunca esteve tão fraco como hoje

*Folha – Temos a data-chave de 10 de janeiro, com a posse presidencial. González diz que será empossado. Podemos ter um governo paralelo?*

Não aceito que nos digam que temos que contemplar a possibilidade de que a soberania popular seja sacrificada. Se todos os venezuelanos que estamos aqui e os que estão fora, os países, presidentes, Parlamentos, cidadãos do mundo, fizermos o que nos corresponde fazer, então não restará outra opção a Maduro se não sentar para negociar. Temos que passar das declarações conjuntas para as ações conjuntas. A história vai nos julgar.

*Raio-X | María Corina Machado, 57*

Líder da oposição na Venezuela, venceu as primárias opositoras, que tiveram os resultados suspensos pelo Supremo, aliado d o chavismo. Foi posteriormente inabilitada e impedida de concorrer à Presidência. É engenheira.

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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