SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Inspirados no show de Madonna com Pabllo Vittar que sacudiu o Brasil no começo de maio, quando as divas usaram camisas da seleção brasileira, manifestantes devem pintar a Paulista não só com as cores do arco-íris, símbolo do movimento gay, como também de verde e amarelo. Ninguém deve entoar o Hino Nacional, porém um trecho do canto vai embalar parte da marcha. Sob o verso “Verás que tua mãe não foge à luta”, um grupo de mulheres defende outra bandeira apropriada pela ala conservadora: a família -mas com uma visão muito mais ampla do conceito.
“Família tradicional é uma falácia”, afirma Luciene Mendes, procuradora de Justiça aposentada, integrante da associação Mães pela Diversidade. “Vamos mostrar na avenida que nossas famílias existem e que nossos filhos não estão sozinhos.”
Neste domingo (2), a partir das 10h, famílias de diferentes formatos vão estar na Paulista vestidas de abadás verde e amarelo, é claro, e muitas delas vão carregar a bandeira do Brasil. Ao todo, cerca de 300 Mães pela Diversidade devem participar da marcha deste ano, que tem como tema Basta de Negligência e Retrocesso no Legislativo.
Criada em 2014, a associação materna é uma organização não governamental que reúne mães e pais de crianças, adolescentes e adultos LGBTQIA+, preocupados com a violência e o preconceito contra seus filhos e suas filhas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Hoje, o grupo agrega aproximadamente 2.000 mães, presentes em 24 estados brasileiros.
Como em toda sociedade, as famílias aqui são múltiplas. São formadas por mães que se tornaram solo após romperem casamentos por defender seus filhos, por mães que conscientizaram maridos, familiares e parentes contra a intolerância, por mães de crianças com variabilidade de gênero e de adolescentes trans que, nas palavras de Mendes, “precisam lutar para provar a própria existência”.
A ativista lembra que após saber que era mãe de um filho biológico gay, o caçula Rodrigo, 28, e de uma filha afetiva, a enteada Luana, 31, lésbica, percebeu que precisava buscar informação.
“Até então, só tinha internalizado estereótipos negativos”, ela conta. “Cresci num ambiente em que homossexualidade era tratada como doença.” Recorda-se de dois primos que tiraram a própria vida por pressões homofóbicas e de um outro que morreu, vítima de complicações da Aids, o que só aumentou o estigma e a discriminação em relação aos gays.
“Nesse processo de negação, estava tão carregada de medo, preconceito e ignorância, que não me atinei aos sinais que meus filhos deram durante toda a adolescência”, lembra. Tanto o garoto quanto a garota se assumiram perante a família. “A vida foi me preparando para me descobrir mãe de um rapaz gay e de uma filha lésbica.”
Quando fake news em torno do chamado “kit gay”, que marcaram a eleição presidencial de 2018 e tiveram origem em um material de combate à homofobia, bombardearam as redes sociais e outros canais de comunicação entre as famílias, a procuradora aposentada decidiu que era hora de fazer alguma coisa.
“Descobri que o foco da ONG é o acolhimento das mães para criação de uma rede de apoio e fortalecimento de cada uma”, explica. A associação também atua na sensibilização de agentes de saúde, do Judiciário e do Legislativo. Mendes, por exemplo, produz conteúdo Jurídico voltado à questão da LGBTQIA+fobia.
“Hoje, estou resolvida, fora do armário, porque fui buscar informações no grupo”, afirma Mendes, 58. “Somente por meio do contato com outras mães que conheci os desafios que pessoas trans enfrentam.”
O Brasil é um dos países que mais matam transexuais e travestis no mundo. Uma morte da população LGBTQIA+ foi registrada a cada 38 horas no ano passado.
A integrante da associação explica ainda que as Mães pela Diversidade estarão neste domingo na avenida Paulista também por medo. “Pelo pavor de ver nossos filhos serem assassinados e de que, talvez juntas, a gente consiga reduzir o risco de eles sofrerem discriminação”, afirma. “Nos últimos anos, parece que ser racista, fascista, homofóbico, intolerante virou um troféu no Brasil.”
Em um momento em que temos um Congresso muito conservador e retrógrado, continua a ativista das Mães pela Diversidade, que age à mercê de religiões fundamentalistas, “precisamos resgatar a laicidade do Estado”.
Portanto, o objetivo das mães em torno de um Estado laico segue em sintonia com a proposta da Parada do Orgulho de São Paulo deste ano. Nela, os organizadores fazem um convite aos participantes para que reflitam a respeito da importância do voto consciente por direitos da população LGBT+.
“As crenças dos parlamentares não podem interferir nas leis do país”, afirma Mendes. “Nosso papel como mães de família é como qualquer outro: tradicional no cuidado, tradicional no afeto, com uma dose extra de amparo. Aqui o apoio tem que ser incondicional.”
28ª Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo
Tema: Basta de Negligência e Retrocesso no Legislativo – Vote consciente por direitos da população LGBT+
Quando: domingo (2), a partir das 10h
Onde: avenida Paulista (os trios vão percorrer o lado ímpar da avenida)
Ao todo, serão 16 trios, comandados por artistas como Gloria Groove, Sandra de Sá e Pabllo Vittar
ROBERTO DE OLIVEIRA / Folhapress