‘Maestro’ é bem mais do que a polêmica da prótese no nariz de Bradley Cooper

VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Esqueçam a polêmica da prótese do nariz. O rosto de Bradley Cooper, pesadamente maquiado para ficar com “cara de judeu” em “Maestro”, exibido neste sábado, dia 2, no Festival de Veneza, tem muito mais a oferecer do que o falatório recente sobre se deveria ou não aparecer caracterizado com traços mais hebraicos para dar vida ao músico Leonard Bernstein em seu novo longa.

É bem verdade que a maquiagem impressiona. Raramente Hollywood consegue um resultado tão espantosamente bem-sucedido de caracterização. A semelhança entre o Bernstein da vida real e o vivido por Cooper é tão grande que por vezes parece que o filme resolveu ressuscitar o maestro na tela por meio de inteligência artificial.

Mas não: é tudo obra do maquiador Kazu Hiro, conhecido pelo trabalho na versão de 2001 de “O Planeta dos Macacos”. Também diretor de “Maestro”, Cooper não apareceu em Veneza para divulgar o filme em solidariedade aos atores e roteiristas de Hollywood em greve por melhorias contratuais e salariais diante de grandes produtoras e distribuidoras. Mas Hiro esteve presente na coletiva de imprensa e comentou a polêmica.

“Lamento termos ferido algumas pessoas. Mas o objetivo era apenas tornar Cooper o mais parecido possível como Bernstein, que tinha traços marcantes”, disse Hiro, acrescentando que, para o Bernstein jovem, Cooper precisava ficar quase três horas sendo maquiado –e para o idoso, eram mais de cinco.

O que faltava para Bernstein reviver na tela, Cooper faz com bastante meticulosidade em sua atuação –seu gestual também impressiona. O filme começa com Bernstein já velho, dando uma entrevista para a TV– depois disso, um flash back em preto e branco mostra-o na juventude, pouco antes de se tornar famoso.

Na primeira cena do jovem Leonard, vemos o músico descobrir que foi chamado para substituir um maestro da Orquestra Filarmônica de Nova York, que ficou doente. Exultante de alegria, ele dá um grito, acordando a pessoa que estava com ele na cama –que, logo percebemos, era um outro rapaz.

Essa cena traz informações sobre Bernstein a respeito de sua sexualidade, sua ambição, sua energia vital e, talvez, uma certa falta de empatia com os outros. Mais adiante, ele conhece em uma festa uma aspirante a atriz, Felicia Montealegre Cohn, também de ascendência judaica como ele. Há entre ambos uma enorme identificação. Ou seria amor? Seja o que for, eles jamais se separariam desde então.

A cena em que Felicia, vivida por Carey Mulligan, é apresentada ao espectador é pura Hollywood clássica, com ela andando por uma rua, saindo da sombra para um repentino feixe de luz, que torna seu rosto um receptáculo de luminosidade.

Em toda essa primeira parte do filme, em preto e branco, Cooper reitera a ideia de que é um dos diretores modernos que mais se preocupam preservar um estilo de filmar que segue a tradição da escola hollywoodiana dos anos 1940. Ele sabe valorizar as estrelas de seus filmes.

Isso vale, inclusive, para ele mesmo. Assim como em seu anterior, “Nasce uma Estrela”, de 2018, ele mais uma vez reserva para si próprio algumas cenas que denotam o quanto tem de narcisista. Guarda para si um número musical, exibe o próprio torso nu e, é claro, dirige-se em algumas cenas dignas de serem exibidas na noite do Oscar, quando talvez seja anunciado como um dos cinco indicados a melhor ator.

Mas ele tem também a gentileza de preparar vários trechos para Mulligan mostrar do que é capaz –e, mais que em qualquer outro filme em sua carreira, a atriz comprova que é capaz de muita coisa. Sua Felicia tem uma timidez algo ousada, é discreta, mas dona de uma personalidade intensa. O filme, mais do que sobre ele, é sobre ela. Sobre as dificuldades que encontra em um romance que ela sabe que será para sempre problemático.

Leonard e Felicia se casam, têm filhos e sucesso profissional. Mas alguma coisa não vai bem com ele –e, automaticamente, também não com ela. Sempre que pode, o músico pula a cerca e volta a ter encontros sexuais com rapazes, e embora não exatamente negasse essa sua preferência, tampouco a aceitava com naturalidade.

Segundo o filme, a dificuldade para lidar com o amor por Felicia e a preferência sexual por garotos o tornava uma pessoa perdida –por vezes até arrogante na profissão. E Felicia irremediavelmente era abalada por isso.

O filme é vistoso e, em geral, comovente, mas Cooper tem por vezes uma certa dificuldade de fazer o espectador ter real acesso aos personagens, para além dos que as poderosas performances insinuam. No boca a boca, o filme não parece ter impressionado muito, e alguns problemas de ritmo talvez tenham contribuído para isso.

Cooper, apesar de manejar bem a linguagem do cinema, por vezes parece se deixar levar demais pelo virtuosismo estético, e muitas cenas que ele prefere filmar à distância perdem muito em adesão emocional.

Mas ao menos, ao que parece, o filme é fiel aos fatos. Jamie Bernstein, filha do músico, também esteve na conversa com a imprensa e disse reconhecer muito do que o longa mostra como coisas que aconteceram realmente.

“Ficamos [ela e os outros filhos de Bernstein] impressionados pelo grau de comprometimento de Bradley em mostrar na tela uma história autêntica.” Pode até ser, mas ainda há alguns mistérios que pairam sobre Leonard e Felicia que “Maestro” não parece ter dado conta de solucionar.

BRUNO GHETTI / Folhapress

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