SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2025, 65% dos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, ou 13 dos 20 participantes, contarão com um CEO, a sigla em inglês para o cargo de “Chief Executive Officer”, uma espécie de diretor-executivo, com a nomenclatura emprestada do mundo corporativo.
Nos últimos anos, a função se tornou tendência no futebol como uma forma de transmitir a impressão de profissionalização, sobretudo em um momento no qual a modernização e a gestão empresarial se tornaram temas importantes no esporte.
Esse profissional assume a responsabilidade pela gestão estratégica e administrativa, equilibrando demandas esportivas e financeiras. Supervisiona áreas como marketing, vendas, contratos e relação com patrocinadores, além de ter um papel importante na contratação de atletas. Seu objetivo é aumentar a rentabilidade e melhorar a estrutura organizacional, sem perder de vista os resultados esportivos.
Nem sempre, porém, a simples criação desse cargo resulta em uma mudança real na gestão. Apesar de a presença de CEOs ser frequentemente associada à busca por uma maior eficiência e organização, a estrutura política e a interferência de grupos internos nos clubes podem minar a efetividade do modelo.
O Corinthians, por exemplo, apresentou em 3 de julho de 2024 o profissional Fred Luz como seu CEO. Ele seria o primeiro a ocupar esse cargo na história do clube.
“Temos que trazer o Corinthians para um equilíbrio financeiro para que o futebol não precise ser drenado por outras atividades”, disse o executivo, em sua apresentação, questionado sobre a dívida de mais de R$ 2,4 bilhões.
Sua contratação, porém, passou a gerar ruídos na política interna do Parque São Jorge, já que a criação da função de CEO necessitaria de aprovação por parte do Conselho Deliberativo. O órgão é presidido por Romeu Tuma Júnior, que está em pé de guerra com o presidente do clube, Augusto Melo, alvo de dois processos de impeachment.
Assim, a diretoria temia uma derrota na tentativa de criar o cargo -embora tivesse sido apresentado como CEO, oficialmente Fred era contratado como consultor. Em 14 de dezembro, o Corinthians anunciou que o profissional não teria mais a autonomia de um CEO e que, a partir daquela data, seria um consultor externo, com a obrigação de comparecer ao clube apenas duas vezes por semana.
Engenheiro formado pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Fred tem 70 anos e já foi executivo da rede de lojas Americanas. No futebol, trabalhou no Flamengo durante a gestão de Eduardo Bandeira de Mello, onde atuou como CEO de 2014 a 2018.
Seu trabalho na Gávea foi um dos motivos pelos quais o Corinthians foi buscá-lo. Fred, no entanto, não era a primeira opção. Antes, o clube tentou tirar Marcelo Paz do Fortaleza. Na ocasião, o profissional declinou do convite e permaneceu no clube cearense, no qual exerce a função de CEO desde 2023, quando a equipe virou uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol).
Segundo Paz, como uma SAF, o Fortaleza está menos sujeito às interferências políticas que ocorrem em clubes associativos -como o Corinthians. “[Uma SAF] é uma instituição mais autônoma, com melhores práticas de mercado, com mais flexibilidade, que responde somente a um conselho de administração. Já o CEO de um modelo associativo está sujeito às intempéries e às disputas políticas”, disse à Folha de S.Paulo.
O profissional afirmou que não se arrepende de ter recusado a oferta do Corinthians. No Fortaleza, que terminou o Brasileiro de 2024 na quarta colocação, ele tem uma autonomia diferente do que teria em um clube associativo. “Muitos clubes têm diversos diretores, então, às vezes, a função de um diretor pode se confundir com a do CEO.”
O cargo também é usado para barganha política. Em dezembro, quando escolheu seu novo presidente, o Flamengo viu seu então mandatário Rodolfo Landim apoiar Rodrigo Dunshee de Abranches, à época vice-presidente geral e jurídico do clube, como seu sucessor. Em caso de vitória de Dunshee, Landim deixaria a presidência para se tornar CEO.
O candidato da situação acabou derrotado por Luiz Eduardo Baptista, o Bap, que anunciou Paulo Dutra como seu diretor geral, assumindo as atribuições de Reinaldo Belotti, que era CEO na gestão de Rodolfo Landim.
A instabilidade do cargo não é uma exclusividade de times que mudam de diretoria. Recém-promovido à elite do futebol brasileiro, o Santos trocou Paulo Bracks, rebaixado à função de diretor, por Pedro Martins.
Formado em administração, com MBA em indústria do futebol na Universidade de Liverpool, Martins dará mais atenção ao departamento de futebol, enquanto Bracks vai se concentrar nas áreas administrativas.
Essas mudanças, que outrora poderiam passar despercebidas, agora são acompanhadas com atenção por torcedores, uma vez que está entre as atribuições do CEO montar o elenco e buscar reforços.
Embora tenha se popularizado nos últimos anos, o cargo já existe no futebol brasileiro há algum tempo. O Internacional foi um dos primeiros clubes a incorporar esse profissional ao seu quadro, em 2011, quando contratou Aod Cunha.
Atualmente, o CEO do time gaúcho é Giovane Zanardo. “Temos uma questão cultural envolvida, principalmente naquilo que se refere à atividade principal dos clubes, que é o futebol. Mas vejo essa resistência cada vez menor”, disse.
“O alinhamento definitivo eu acredito que virá quando tivermos os regulamentos de cada clube, em especial nos associativos, com seus estatutos, trabalhados e modificados a partir das necessidades de avanços na governança que o mercado está exigindo”, previu Zanardo.
LUCIANO TRINDADE / Folhapress