Maioria dos processos de SP contra mulheres que abortam vem de denúncias de profissionais da saúde

Reprodução

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A maior parte dos casos de aborto que chegam à Justiça paulista é fruto de denúncias vindas de profissionais da saúde que atenderam mulheres em equipamentos do SUS (Sistema Único de Saúde) durante a tentativa de interromper a gravidez por conta própria. De acordo com relatório da Defensoria Pública de São Paulo sobre processos judiciais abertos no estado por aborto ilegal, essas denúncias representam 54,5% dos casos.

Entre 2017 e 2023, o Nudem (Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres) apresentou 37 pedidos de habeas corpus com o objetivo de trancar ações penais em andamento contra mulheres pela suposta prática do crime de aborto. Em 25 desses casos, a investigação criminal —e, consequentemente, o processo— teve início a partir de denúncia feita em quebra do sigilo profissional.

A defensora pública Fernanda Costa Hueso, coordenadora auxiliar do núcleo, afirma que a legislação é punitivista e está em descompasso com a realidade social, já que “a mulher que pratica um aborto não deveria responder a uma ação penal”.

Para a especialista, o estado deveria atuar em outra esfera de proteção, como a garantia de proteção de direitos difusos e coletivos relacionados à saúde, aos direitos sexuais e reprodutivos, à intimidade, à privacidade e à autonomia e dignidade de mulheres e meninas, principalmente das mais vulneráveis.

A Folha teve acesso a dois processos em segredo de Justiça em que mulheres, uma no interior do Paraná e outra no interior de São Paulo, fizeram pedidos de habeas corpus, ajuizados no STF (Superior Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), por quebra de sigilo médico.

Elas foram delatadas pelos hospitais em que foram atendidas depois de fazer o uso do medicamento Cytotec, de comércio ilegal no Brasil, para interromper a gestação. As gestantes tiveram sintomas como mal-estar e sangramento em excesso e por isso precisaram de atendimento médico. Nos dois casos, os processos foram anulados.

Nove em cada dez casos de aborto levados a júri popular no estado de São Paulo terminam com a condenação dos réus, de acordo com dados do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) obtidos pela Folha. Houve 64 julgamentos com a participação popular para analisar ocorrências de interupções ilegais de janeiro de 2010 a dezembro de 2023. Desses, os réus foram sentenciados a cumprir penas em 57 casos (89% do total).

“São levadas ao julgamento popular justamente as mulheres mais vulneráveis e empobrecidas. Elas não têm acesso a um atendimento de saúde adequado, com livre acesso à informação, meios seguros e acessíveis de métodos contraceptivos”, afirma a advogada.

O júri popular é um sistema de julgamento em que cidadãos comuns, escolhidos por sorteio, decidem sobre a culpabilidade de um réu em determinados tipos de crimes. No Brasil, quatro infrações se enquadram nos requisitos para serem levados ao tribunal do júri: homicídio, infanticídio, indução ao suicídio e aborto ilegal. Todos são considerados crimes dolosos contra a vida.

A professora de direito Débora Diniz, da UnB (Universidade de Brasília), critica a adoção desse sistema para julgar casos de aborto. Segundo ela, o tribunal do júri pune mais e atribui penas maiores.

“Enviar uma pessoa para ser julgada pela população sobre esse tema é fazer o apelo para uma punição”, afirma.

VICTORIA CUCOLO / Folhapress

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