SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No último ano, as indústrias do vento e do mar no Brasil ficaram animadas com a possibilidade de o país ter turbinas eólicas instaladas em alto mar, quando a Câmara aprovou um projeto de lei criando regras para essa tecnologia. Mas sete meses se passaram, e o Senado nada fez sobre o tema. A demora, na visão de técnicos do setor, só posterga o que seria assunto para ainda algo entre 2040 e 2050.
Mais complexas para serem instaladas e ainda novidade no Brasil, as turbinas eólicas em alto mar são muito mais caras quando comparadas àquelas fixadas em terra, o que afasta investimento imediato em escala na tecnologia. Pelas complicações, estima-se que, mesmo em um cenário onde já exista a regulamentação do setor, demora-se entre oito e dez anos para que um projeto desse tipo fique pronto.
Um estudo feito pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), ligada ao governo federal, por exemplo, apontou há quatro anos que os custos de investimento estimados de projetos de usinas eólicas offshore (no mar) são cerca de duas vezes maiores que dos projetos onshore (em terra), podendo variar entre US$ 3.000/kW (kilowatt) e US$ 6.000/kW, além de mais caras que outras fontes energéticas já desenvolvidas no país. Essa diferença tende a aumentar à medida que os projetos se afastam da costa e são instalados em águas mais profundas.
A diferença se dá, principalmente, devido aos custos de fundações das estruturas, além do uso de embarcações e de mão de obra específicas para transportar e instalar os equipamentos -serviços caros e concentrados em poucas empresas, geralmente petroleiras. Não à toa, as empresas que mais protocolaram pedidos de licenciamento ambiental junto ao Ibama para projetos do tipo são do setor petroquímico.
Além disso, a força do vento em terra no Brasil já é capaz de produzir até mais energia que a força do vento no mar em outros países -o que adia qualquer necessidade imediata de se contar com a tecnologia, segundo pesquisadores. Esse fator, aliás, embasa os argumentos de quem diz que colocar turbinas em alto mar seria uma solução importada de países com menos recursos energéticos que o Brasil.
“A eólica offshore se tornou um business internacional, mas as motivações da Europa, por exemplo, são muito claras: falta de espaço em terra e recurso eólico offshore muito melhor do que recurso eólico onshore. Já no Brasil, a gente não tem tanta essa motivação que vai ajudar a reduzir os custos da geração”, diz Amanda Vinhoza, analista de Pesquisa Energética na EPE e especialista em eólicas offshore.
Levantamento feito pela Bnef, braço de pesquisa sobre transição energética da Bloomberg, aponta que o fator de capacidade do vento no Brasil é superior ao dos demais países que hoje são líderes na geração de energia em alto mar. Esse fator é o resultado da divisão entre quanto uma mesma turbina eólica produz e quanto ela conseguiria gerar na melhor condição possível; ou seja, quanto maior é o número, melhores são as condições daquele lugar para a produção de energia.
Nessa comparação, o Brasil lidera um ranking de oito países selecionados pela Folha com base na geração de energia eólica offshore de cada um (gráfico abaixo).
“No Brasil, a discussão sobre eólicas offshore é muito ligada à discussão sobre o hidrogênio verde, o que eu não entendo, porque o Brasil, de acordo com nossos cálculos, pode ter o custo mais competitivo de produção de hidrogênio verde no mundo, mas isso só acontece se você usar o que tem de mais barato, não o mais caro. E a energia offshore vai ser muito mais cara do que a onshore. Isso que estou falando talvez não seja uma opinião popular, mas é o que nossos cálculos sugerem”, diz James Ellis, chefe de pesquisa da BNEF na América Latina. Ele comanda um time de analistas que fornecem materiais sobre o Brasil para investidores estrangeiros.
“Os drivers para offshore geralmente são falta de terra e outras questões geográficas. Mas, sobretudo, países como Taiwan e Reino Unido, onde a offshore está crescendo bastante, não têm o recurso onshore que o Brasil tem, e no Brasil não faltam boas áreas para se instalar mais projetos”, acrescenta.
Os cálculos da Bnef não consideram estimativas sobre o fator de capacidade do vento do Brasil em alto mar. Mas um estudo feito pela EPE indica que esse resultado pode ser próximo a 80% entre agosto e outubro no litoral do Nordeste, valor que sobressai todos os registrados pela Bnef no gráfico acima, inclusive do próprio Brasil em terra. Ainda assim, a mesma projeção da EPE indica que entre janeiro e julho uma mesma turbina em terra no Nordeste -região que concentra parques eólicos no país- poderia gerar mais energia que no mar.
Em tese essa estimativa serve apenas como uma comparação básica, já que as turbinas instaladas no mar são diferentes e muito maiores e potentes que aquelas em terra.
A EPE é a empresa pública responsável por pesquisar possíveis cenários energéticos do Brasil nas próximas décadas. Um desses estudos é o Plano Decenal de Expansão de Energia, que atesta as necessidades do país nos próximos dez anos no que diz respeito à matriz energética. O último completo foi apresentado em 2022, com premissas para 2032.
“Quando a gente olha o resultado dessa simulação, a eólica offshore ainda não aparece entre as opções dessa expansão. Isso não deve ser visto como impeditivo, porque o plano é indicativo e não determinativo, mas é um indício forte de que a gente tem opções muito mais competitivas para essa expansão”, afirma Gustavo Ponte, consultor técnico da EPE.
Em outro estudo, porém, a empresa constatou que, se o capex (investimento) dos projetos offshore caírem 20% em relação aos de 2020, o país já terá alguns gigawatts de energia eólica produzida no mar até 2050. “No mundo todo, via de regra, tem caído o custo da offshore ao longo dos anos, devido ao aprendizado e à experiência internacional, mas é difícil estimar quando isso vai acontecer. Em 2022, por exemplo, o custo dela subiu muito porque a China instalou menos, e isso afetou a média mundial”, diz Ponte.
E é justamente na esperança de que o preço desses projetos diminuirão que a indústria eólica tem pressionado o Congresso a aprovar a regulamentação das offshore. Até janeiro deste ano, havia 97 pedidos protocolados junto ao Ibama, somando 234 GW -alguns com sobreposição.
Sobre os ainda altos custos da tecnologia, a presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), Elbia Gannoum, faz uma comparação com o início do setor eólico em terra no Brasil. “Lá em 2004, a eólica onshore custava seis vezes o preço de uma hidrelétrica e em 2017 a onshore já ficou mais barata. Então, esse argumento de preço não faz sentido porque você não tem a menor ideia de quanto vai custar a eólica offshore daqui a dez anos”, diz.
O argumento dela é semelhante ao de Fernando Porrua, diretor-técnico da PSR Consultoria, para quem é precipitado dizer que colocar turbinas em alto mar não faz sentido para a matriz elétrica brasileira. “Pode fazer sentido, sim. Depende muito da política energética, que sabemos que não olha para uma fonte só; ela olha para o todo, olha para o sistema, para garantir segurança de suprimento, confiabilidade, ao custo mais módico possível”, diz.
Um estudo feito pela PSR no ano passado traçou três cenários de expansão do setor elétrico no Brasil até 2050. O primeiro cenário não considera políticas de descarbonização, o segundo estima uma meta de atingir zero emissões no setor elétrico e o terceiro a meta de zerar emissões de todo o país (o último leva em conta um aumento significativo de carga devido à eletrificação da indústria).
No primeiro, os projetos eólicos offshore começam a entrar depois de 2040, quando a tecnologia se torna economicamente competitiva. No segundo, quando as usinas térmicas a combustível fóssil são desligadas, o sistema ainda prefere as eólicas onshore em detrimento da offshore. Já no terceiro, o modelo admite uma inserção mais agressiva de eólica offshore, apresentando um custo total para o setor elétrico 53% maior do que o segundo.
“Ou seja, as pessoas estão fazendo as discussões hoje não para começar a implantar um parque eólico offshore daqui a dois, três anos. Elas estão fazendo isso porque é necessário começar a definir o arcabouço regulatório e, a partir disso, a definir todo o arcabouço infralegal, que é a regulamentação da lei”, diz Porrua.
PEDRO LOVISI / Folhapress