RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Mais da metade dos indígenas vive em áreas urbanas no Brasil. É o que indicam novos dados do Censo Demográfico divulgados nesta quinta-feira (19) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em 2022, 914,7 mil indígenas moravam no meio urbano, o equivalente a quase 54% do total no país (1,7 milhão). É um percentual superior ao registrado no Censo 2010, quando a proporção era de 36,2% (324,8 mil).
Como consequência, os indígenas que viviam em áreas rurais perderam participação. Essa parcela foi estimada em 46% em 2022 (780,1 mil), ante 63,8% em 2010 (572,1 mil).
A população indígena recenseada em áreas urbanas em 2022 (914,7 mil) é 181,6% maior do que a verificada 12 anos antes (324,8 mil). Em termos absolutos, o aumento foi de 589,9 mil pessoas.
O IBGE, contudo, recomenda cautela na análise dessa alta. É que o Censo 2022 fez mudanças metodológicas para ampliar a coleta de dados junto aos indígenas. O instituto já reconheceu uma possível subenumeração nas estatísticas de 2010.
Apesar disso, é possível perceber indícios de que uma fatia maior dos indígenas está indo para o meio urbano em regiões específicas, segundo o órgão.
Para ilustrar o movimento, Fernando Damasco, gerente de territórios tradicionais e áreas protegidas do IBGE, citou o caso do Amazonas.
No estado, 59 dos 62 municípios (95,2%) tiveram perda de população rural em termos percentuais. O Amazonas concentra quase um terço dos indígenas do país.
“Ali, de fato, está em curso um processo muito intenso de remobilização de população para as cidades. Isso precisa, certamente, ser aprofundado, estudado, mensurado com maior detalhamento a partir de agora”, afirmou Fernando.
O pesquisador indicou que os processos migratórios dos indígenas podem estar associados a diferentes motivos, incluindo a busca por trabalho e escolarização nos centros urbanos.
Também há comunidades, especialmente na região Norte, que podem estabelecer moradias temporárias em diferentes locais ao longo do ano, segundo o pesquisador.
“A gente vai precisar de mais informações das próximas divulgações para entender melhor esse processo”, disse.
A proporção de indígenas em áreas urbanas (54%) é menor do que a parcela da população total na mesma situação (87,4%). O grau de urbanização do país como um todo também aumentou ante 2010.
COMO O IBGE CONTA OS INDÍGENAS?
No Censo 2022, o IBGE fez a seguinte pergunta em todo o território brasileiro: “A sua cor ou raça é?”. As opções de resposta eram “branca”, “preta”, “amarela”, “parda” ou “indígena”.
Se uma pessoa estivesse dentro de uma localidade indígena e não se declarasse indígena no quesito cor ou raça, o recenseador abria uma segunda questão. Era a seguinte: “Você se considera indígena?”.
Em 2010, o IBGE também fez a primeira pergunta sobre cor ou raça em todo o território.
A diferença é que, à época, a segunda questão só era aberta para brancos, pretos, amarelos e pardos se estivessem nas terras indígenas oficialmente delimitadas, e não em todas as localidades indígenas, como foi o caso de 2022. Isso teria contribuído para ampliar a coleta.
“A grande crítica em 2010 ao Censo, de uma subenumeração em contexto urbano, a gente não tem mais em 2022”, afirmou Marta Antunes, coordenadora do censo de povos e comunidades tradicionais do IBGE.
“A gente está trazendo um retrato bem cuidadoso e aprofundado em todas as localidades indígenas que a gente visitou”, acrescentou.
O instituto disse nesta quinta que contabilizou 8.568 localidades do tipo no país. A definição abrange os aglomerados permanentes de 15 ou mais indígenas em áreas rurais ou urbanas, dentro ou fora dos territórios oficialmente delimitados.
Ou seja, esses lugares podem ser desde aldeias no meio da floresta até endereços na cidade.
O IBGE já havia divulgado dados gerais sobre os indígenas e também pontos específicos dessa população, incluindo quesitos de alfabetização, saneamento e idade.
Uma das novidades desta quinta é justamente o olhar aprofundado para as diferenças entre o meio urbano e o rural.
Conforme o Censo 2022, a proporção de indígenas que viviam nas cidades superava 90% em três unidades da Federação. São os casos de Goiás (95,5%), Rio de Janeiro (94,6%) e Distrito Federal (91,8%).
Mato Grosso, por outro lado, teve o maior percentual em situação rural (82,7%). Maranhão (79,5%) e Tocantins (79,1%) vieram na sequência.
Os dados apontam que a população indígena é mais envelhecida nas cidades. Trata-se de mais um possível reflexo da migração ao longo da vida.
No meio urbano, o índice de envelhecimento dos indígenas foi de 58,32, acima do patamar nas áreas rurais (19,34). O indicador mostra o número de pessoas de 60 anos ou mais em relação a um grupo de cem habitantes de até 14 anos. Quanto maior o valor, mais envelhecida é a população.
Já a idade mediana dos indígenas foi de 31 anos nas áreas urbanas, acima dos 20 anos nos endereços rurais. A medida divide uma população em duas partes iguais, separando a mais jovem da mais velha.
21% DOS INDÍGENAS SÃO ANALFABETOS NO MEIO RURAL
De 2010 para 2022, a taxa de analfabetismo dos indígenas de 15 anos ou mais diminuiu de 32,2% para 21,2% em áreas rurais.
Mesmo com a redução, ainda é quase o dobro da registrada entre os indígenas em áreas urbanas, que baixou de 12,3% para 10,9%.
Os dois grupos têm taxas de analfabetismo superiores à da população como um todo, que recuou de 9,6% em 2010 para 7% em 2022.
DESIGUALDADES TAMBÉM APARECEM NAS CIDADES
Outro situação destacada pelo IBGE é a dificuldade maior dos indígenas na área de saneamento básico. Isso foi verificado até mesmo nas cidades.
Considerando os indígenas que moravam em áreas urbanas e fora de terras delimitadas, 44,3% viviam em domicílios com alguma precariedade de abastecimento de água, destinação do esgoto ou coleta de lixo em 2022. O percentual é mais do que o dobro do registrado entre a população total nas cidades (18,7%).
Quando se olha para os indígenas em áreas rurais e fora de terras delimitadas, a parcela em lares com alguma precariedade foi ainda maior: 94,4%. A proporção, porém, está mais próxima da registrada entre a população total no campo (87,2%).
O IBGE afirma que 22,9% dos indígenas nas áreas rurais moravam em domicílios sem banheiro nem sanitário em 2022. É um percentual bem superior ao registrado entre a população total no campo (4,3%) e os indígenas nas cidades (0,67%).
Quando a análise envolve mortalidade, os números sinalizam que os óbitos de pessoas mais velhas ganharam participação na comparação dos dois últimos recenseamentos.
Em 2022, a faixa de 70 a 74 anos respondeu por 8,8% das mortes de pessoas que residiam em domicílios com pelo menos um indígena. É o maior percentual entre os grupos de idade detalhados. A participação dessa faixa havia sido de 7,4% em 2010.
À época, as mortes de crianças de menos de um ano haviam respondido por 9,1% do total. Era a maior participação entre as faixas investigadas. Esse índice diminuiu para cerca de 5% em 2022. O IBGE considera mortes ocorridas nos 12 meses anteriores às pesquisas.
LEONARDO VIECELI / Folhapress