PORTO ALEGRE , RS (FOLHAPRESS) – Quando observados os dados do Censo 2022 sobre o mapa do Brasil, uma macha sobre o Rio Grande do Sul impressiona. Com raras exceções, ela se estende da fronteira oeste ao norte do estado mostrando que o estado perdeu habitantes em 58,4% dos seus municípios em comparação a 2010.
O Rio Grande do Sul em si, todavia, não diminuiu em habitantes: teve um crescimento discreto de 186.577 habitantes (1,7%), chegando a 10.880.506. Mas deixou de ser o mais populoso da região Sul. O título agora é do Paraná, com 11.443.208, que ganhou 998.682 habitantes em 12 anos. Santa Catarina, por sua vez, viu sua população aumentar em 21,7% e agora tem 7.609.601 habitantes.
Conforme especialistas, a queda nas populações na maior parte dos municípios gaúchos é o resultado de uma tempestade perfeita formada por envelhecimento da população, queda de natalidade e principalmente estagnação econômica, muito em razão dos sucessivos períodos de estiagem que prejudicam os pequenos produtores rurais do interior do estado.
egundo o Departamento de Economia e Estatística do governo, o crescimento vegetativo (nascimentos menos óbitos) do Rio Grande do Sul vem em queda desde 2015, quando o estado cresceu 0,59%, -o que significa, 66 mil gaúchos a mais. Em 2021, muito em razão do crescimento dos óbitos, a diferença foi de apenas 7.300 nascimentos a mais do que óbitos (0,06%).
Nesse cenário já complicado de natalidade, o estado enfrenta períodos intensos de estiagem ano a ano desde 2003. Segundo levantamento do Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, do governo, entre 2017 e 2021, 43,2% do estado se viu afetado por períodos de estiagem ou seca. Em 2020, houve 500 ocorrências de “desequilíbrio hidrológico” no estado.
Município da região norte, Cruzaltense foi a cidade que mais perdeu habitantes proporcionalmente à população. É um exemplo emblemático das cidades que mais encolheram. Tinha 2.141 habitantes e perdeu 506 deles.
Entre as 30 cidades gaúchas que mais perderam habitantes, nenhuma tem mais de 10 mil habitantes. São pequenos municípios de economia rural, a grande maioria delas emancipadas em 1996.
O secretário de obras Selvino João Bampi não se surpreende com a queda, pois a vivenciou em sua família. As três filhas, de 33, 25 e 21 anos deixaram o município assim que começaram a vida adulta: duas delas vivem em Santa Catarina, em Chapecó e Pirituba, e outra, em Campinas do Sul (RS).
“Cruzaltense é uma cidade rural, com poucas oportunidades para o jovem. Aqui pesa muito o fato de não termos acesso asfáltico ao município. Se tivéssemos, alguma indústria poderia se instalar aqui, como um frigorífico, um aviário, que escoaria a produção por Três Palmeiras, Entre Rios do Sul e Chapecó. Sem isso, fica muito difícil manter aqui quem precisa trabalhar”, diz Bampi.
Os municípios gaúchos que mais receberam novos habitantes também têm um perfil definido -ficam no litoral e na serra e possivelmente ganharam moradores durante a pandemia.
Capão da Canoa, por exemplo, um dos principais do litoral norte, aumentou sua população em 51,27% em 12 anos, chegando a 63.594 habitantes. Cidades menores do litoral, com menos de 20 mil habitantes, também cresceram -Cidreira, 34,7%; Balneário Pinhal, 37,7%.
Também chamam a atenção na lista a presença de Gramado, Canela e São José dos Ausentes, cidades que se desenvolveram junto com o turismo na serra. Elas cresceram respectivamente 24,3%, 24,7% e 26,8%.
Segundo José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador aposentado do IBGE, a queda de população no Rio Grande do Sul já era esperada, mas chegou muito mais cedo do que o previsto.
“O caso de Porto Alegre [que perdeu 76,7 mil habitantes] me surpreende particularmente. Era um dado que eu esperaria no Censo de 2030, mas não agora. Sobre os pequenos municípios rurais, fica claro que se trata de um problema de falta de oportunidade econômica e não necessariamente porque é rural, pois o Centro-Oeste também é e cresceu. Se há investimento, o agronegócio atrai pessoas como qualquer outro negócio”, diz Alves.
Demógrafo e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Ricardo Dagnino observa que as cidades mais desenvolvidas de médio porte do estado tiveram crescimento populacional. São os casos, por exemplo, de Caxias do Sul (que ganhou 27,7 mil habitantes), Canoas (23,8 mil), Lajeado (21,4 mil) e Santa Maria (10,6 mil), em diferentes regiões do estado.
“Esse crescimento, comparado à diminuição das populações no interior, aponta um primeiro movimento de fuga em busca de oportunidade. É preciso considerar que estamos em uma crise desde metade da década passada da qual nunca conseguimos sair totalmente”, diz o pesquisador.
Sobre a queda de habitantes em Porto Alegre, que obedece a um padrão visto também em outras metrópoles, o Dagnino prefere aguardar por mais dados do Censo 2022 que possam dar melhores pistas, como o de trabalhadores pendulares, que vivem em uma cidade satélite e trabalham na capital.
“Já se observa um primeiro impulso de repudiar um dado de que não gostamos. Esse é o tipo de negacionismo científico que quase sacrificou a existência do próprio Censo. É preciso acreditar nos números e nos debruçarmos sem pressa em busca das causas, porque o Rio Grande do Sul tem muito o que refletir a partir deles”, diz o pesquisador.
Redação / Folhapress