Mais de um mês após pico de fumaça em Santarém (PA), população ainda sofre com impactos

SANTARÉM, PA (FOLHAPRESS) – Dificuldade respiratória, tosse, alergia e até lesões na pele estão entre as principais queixas de pacientes na UBS (unidade básica de saúde) do bairro Livramento, na periferia de Santarém, principal centro urbano, financeiro, comercial e cultural do oeste do Pará.

Segundo o médico Oziel Mendes Oliveira, o número de atendimentos, em maioria de idosos e crianças, aumentou nos últimos meses e seguia alto até o começo de dezembro, devido à inalação de fumaça.

A plataforma World Air Quality Index, que reúne dados sobre a qualidade do ar em diversas partes do mundo, registrou em 2 de novembro que Santarém estava com um dos piores índices globais: 301 microgramas de poluentes por metro cúbico. Após o início das chuvas, o número já baixou (eram 32 mcg em 5 de dezembro, por exemplo), o que, segundo os médicos, deve repercutir na saúde da população nas próximas semanas.

A Semsa (Secretaria Municipal de Saúde) afirma que de 1º de outubro a 1º de dezembro as UBSs registraram 1.335 atendimentos de casos de síndromes respiratórias relacionadas à inalação de fumaça. E desde 4 de novembro, a UPA (unidade de pronto atendimento) 24 horas prestou assistência a 19 pacientes.

Ainda que aparentemente altos, os números da Semsa podem estar subnotificados, já que, na mesma UBS onde a reportagem entrevistou o médico Oziel Mendes Oliveira, não há casos oficialmente registrados como decorrentes da fumaça nos últimos três meses. Nas UPAs, onde há apenas 19 casos computados, o cenário descrito também é outro.

“Percebemos nos plantões de emergência um considerável aumento de casos com queixas relacionadas à ação tóxica da fumaça nos últimos meses, relacionadas principalmente ao sistema respiratório, como tosse, falta de ar, chiado no peito, irritação de garganta e lacrimejamento dos olhos”, diz Abrãao Gualberto, médico plantonista da UPA 24h.

Ele conta que pessoas com doenças crônicas como asma também estão aparecendo com frequência, assim como casos de bronquites e pneumonias químicas.

Sobre os conflitos de informação, a secretaria afirma que os números são registrados conforme classificados nos prontuários médicos.

Carmén Lithiner, 59, moradora da comunidade Caranazal, que fica entre o centro de Santarém e a vila balneária de Alter do Chão, enfrenta o desespero pela dificuldade para respirar.

“Sou asmática e esse fenômeno afetou ainda mais minha saúde. Tive que dobrar as doses dos remédios que tomo para regular as crises. Há alguns dias choveu, mas a atmosfera está tão pesada que o cheiro de fumaça pode vir desde as primeiras horas da manhã”, diz.

A recomendação dada pelos médicos é de que a hidratação diária seja reforçada, as casas sejam mantidas arejadas, e, se houver tosse persistente ou dificuldade respiratória, as pessoas procurem as unidades de saúde, pois há casos em que é indispensável o uso de oxigênio.

Segundo Daniel Govino, integrante da Brigada de Alter, desde setembro era possível visualizar, por satélite, fumaça vinda de vários lugares. “Áreas dos municípios vizinhos a Santarém, como Mojuí e Belterra, além de fazendas no sul do Pará, formavam como placas de incêndio ao redor da Floresta Nacional do Tapajós. As unidades de conservação eram onde queimava menos ou não queimava”, descreve.

Conforme a Lei Federal de Crimes Ambientais n.º 9.605/1998, a pessoa que for flagrada promovendo queimadas está sujeita à prisão de um a quatro anos, além de multa que varia de R$ 5.000 a R$ 50 milhões.

Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Santarém, as medidas de combate ao problema envolvem ações de educação ambiental e reforço das fiscalizações. Segundo a gestão, foram registrados 175 chamados relacionados a queimadas desde o início do ano até 29 de novembro.

Doutor em ciências atmosféricas, o professor da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará) Lucas Perez atua no Observatório Atmosférico da Amazônia, localizado na fazenda experimental da universidade. Ele explica que, em novembro, havia muitos focos de queimadas no Norte e Nordeste do Brasil e que a fumaça foi transportada para a Amazônia pelos ventos alísios.

Isso, somado ao fogo no próprio interior da Amazônia, como é o caso de Santarém e Manaus, deu origem à grande quantidade de fumaça.

O Observatório Atmosférico da Amazônia é o primeiro da região e auxilia na coleta de dados para o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). “O que falta mesmo são mais pessoas para analisar esses dados. Estamos empenhados em manter todos os equipamentos funcionando, mas a extração da ciência deles requer muito mais tempo e alunos bolsistas para fazer um time adequado”, diz o professor.

Os ventos alísios, mencionados por Perez, são ventos consistentes e predominantes que sopram dos trópicos em direção ao Equador e dos trópicos em direção aos polos, transportando calor e umidade ao redor do globo. Eles têm seu regime modificado pelo fenômeno climático El Niño.

Em 2015, ano em que o El Niño foi registrado como mais intenso, a temperatura local ficou 2°C acima da média. Já a seca, que normalmente dura seis meses, prolongou-se por oito e a floresta viveu um mega incêndio na região do Baixo Tapajós, onde está Santarém.

“O megaincêndio é definido como [o que ocorre em] uma área de floresta com mais de 10 mil hectares. Em 2015, 1 milhão de hectares de floresta queimaram, 2 bilhões e meio de árvores morreram na ocasião, gerando a emissão de cerca de 495 toneladas de CO2 para atmosfera”, conta Erika Berenguer, pesquisadora da Universidade de Oxford e da Rede Amazônia Sustentável.

Neste ano, Berenguer também teve a saúde afetada pelos incêndios, com uma pneumonia causada por intoxicação da fumaça.

Segundo ela, o comparativo de dados da temperatura atual e dos registrados no El Niño de 2015 só pode ser feito após o fim da seca, que, mesmo com o início das chuvas, não chegou ao fim, já que ainda está chovendo abaixo do esperado para este período do ano.

A cientista, que há 15 anos se dedica à Amazônia, ressalta os três principais usos de fogo na Amazônia: desmatamento, fogo de manejo e pastagem e fogo da agricultura familiar. “O que esses três tipos de fogo têm em comum é que em anos de seca extrema, como 2015 e 2023, eles podem se espalhar para área da floresta, gerando então os incêndios.”

Em sua conta no X (antigo Twitter) a cientista reclamou da falta de visibilidade do assunto na COP28, conferência do clima da ONU que se encerrou nesta quarta-feira (13) em Dubai.

Para ela, é possível prevenir os problemas causados por incêndios na floresta amazônica com ações como “dar protagonismo aos incêndios, divulgando os dados oficiais, o que pode ajudar a delinear políticas públicas”.

Berenguer também sugere a criação de um fundo emergencial climático para a Amazônia, uma “bolsa defeso florestal”, como chama, “pois diversas populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas e assentadas da reforma agrária dependem do fogo para sua segurança alimentar sendo que proibir todo e qualquer uso do fogo é socialmente injusto”.

Esta reportagem é parte do Programa de Microbolsas Jornalismo Tapajós, parceria do Laboratório de Comunicação Amazônia, do Projeto Saúde e Alegria e da Folha para estimular a produção jornalística de jovens profissionais da Amazônia.

BÁRBARA CAETANO / Folhapress

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