SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) – O aumento do nível dos oceanos e do oxigênio em suas águas pode ser a chave para explicar a primeira grande diversificação dos animais na história da Terra, a qual deu origem a todos os principais grupos que habitam o planeta ainda hoje. A conclusão vem de uma das mais completas análises da biodiversidade que existia há mais de meio bilhão de anos, quando a vida animal ainda não tinha saído dos mares.
No estudo, um trio de pesquisadores da Escola de Geociências da Universidade de Edimburgo (Reino Unido) mapeou boa parte dos fósseis e das rochas correspondentes à transição entre o Ediacarano e o Cambriano, fase que vai de 580 milhões a 510 milhões de anos atrás. Entre as camadas de rocha estudadas está a do grupo Corumbá, no Brasil, assim como outras em todos os continentes (com exceção da Antártida).
A equipe formada por Fred Bowyer, Rachel A. Wood e Mariana Yilales combinou os dados dos fósseis com informações sobre a química das rochas por exemplo, a presença de determinadas variantes do elemento químico carbono, bem como datações baseadas em minérios radioativos. Isso permitiu que eles reconstruíssem detalhes-chave do ambiente onde viviam os animais marinhos, como profundidade e grau de oxigenação da água.
O período analisado pelos cientistas em artigo na última edição da revista especializada Science Advances é marcado pelo aparecimento e diversificação da vida multicelular (ou seja, com organismos formados por diferentes tipos de células) e dos primeiros animais marinhos.
No começo, durante o Ediacarano, esses bisavôs dos animais têm aparência peculiar, às vezes vagamente semelhante à dos corais e outros organismos que se prendem ao leito marinho hoje. São estruturas que lembram tubos, discos e folhas, entre outras esquisitices.
A situação muda bastante com o Cambriano, que começou há 538 milhões de anos. Espécies que viveram durante esse período geológico já apresentam características que permitem classificá-las nos principais grupos de animais vivos hoje, como o dos artrópodes (que inclui insetos, crustáceos etc.) e dos cordados (que inclui os vertebrados, de peixes a mamíferos).
A análise conduzida pelos cientistas de Edimburgo mostrou que, ao longo de todo o período estudado, cuja duração é equivalente ao que separa o mundo atual do fim da Era dos Dinossauros, parecem ter acontecido três grandes pulsos de diversificação de espécies animais marinhas. São momentos em que acontece um aumento da variabilidade morfológica basicamente, a anatomia das espécies evolui de forma significativa. Duas dessas fases se deram ao longo do Ediacarano, enquanto a terceira, aparentemente mais intensa que as anteriores, acontece no Cambriano.
O que os dados geológicos indicam é que há uma correlação considerável entre esses pulsos de diversificação e aumentos do nível de oxigênio e do próprio nível dos mares. Ainda não está claro como a oxigenação da água se modificou nesses períodos, embora ela já viesse crescendo ao longo de milhões de anos. Já os aumentos do nível do mar parecem ter relação, por exemplo, com mudanças nas placas tectônicas que carregam os continentes.
Seja como for, as consequências dessas alterações estão mais ou menos claras. Ambientes com mais oxigênio são, de modo geral, mais favoráveis do ponto de vista energético para a vida animal, permitindo, por exemplo, que bichos maiores sobrevivam, e o tamanho tende a favorecer a diversificação de espécies em diferentes grupos, como herbívoros e predadores.
Já o aumento do nível do oceano parece ter criado áreas mais amplas de mar raso, justamente o ambiente mais rico para a biodiversidade marinha (por causa dos efeitos da luz solar e dos nutrientes vindos dos continentes, por exemplo). Era uma combinação muito favorável, que teria turbinado a evolução da vida.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress