Malícia e distorções marcam álbum de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo

FOLHAPRESS – A banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo passou o último mês anunciando a chegada de seu segundo disco nas redes sociais através da sigla misteriosa “MDE” grafada em preto sobre fundo amarelo estampando a foto de perfil.

O mistério foi parcialmente revelado com o lançamento do single e do clipe “Segredo”, com o anúncio do nome do álbum, “Música do Esquecimento”. O trabalho chega depois do disco de estreia da banda, de 2021, indicado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte, a APCA, como um dos melhores daquele ano.

Além da líder, o grupo é formado pelo baixista Téo Serson, pelo guitarrista e tecladista Vicente Tassara e pelo baterista Theo Ceccato. Amigos de longa data, o grupo se consolidou quando Chablau precisou de uma banda para acompanhá-la em shows fora de São Paulo, ainda em 2019.

Diferente do primeiro álbum, gravado de forma vertiginosa, esse segundo disco é fruto do amadurecimento coletivo sobre o estilo da banda e traz composições de todos os integrantes.

De semelhança com o seu antecessor, “Música do Esquecimento” reitera o equilíbrio entre composições explosivas e introspectivas, combinando versos simples com ideias complexas sobre a existência, as relações e o cotidiano.

Vale saber o histórico da turma –Téo Serson e Vicente Tassara são formados em filosofia, Chablau está terminando a graduação em geografia e Ceccato acumula diversos projetos musicais como baterista.

Daí podemos pescar a virada irônica tanto da letra, quanto do toque sonoro da faixa “As Coisas que Não te Ensinam na Faculdade de Filosofia”, quando Tassara canta: “E quem nós vamos enganar/ estudando a Marilena Chauí/ não me leve a mal/ eu não sei daonde vem/ toda essa angústia inconsolável”.

Ou mesmo na abordagem da ideia de “Música do Esquecimento”, faixa-título composta por Serson, que está prestes a lançar seu primeiro livro de poesia. Ele remete ao primeiro nome da banda, antes de se juntar a Chablau, mas também à experiência pessoal da letra e ao entendimento de que o esquecimento pode impulsionar a inventividade.

As faixas do disco trazem arranjos elaborados e uma produção que acrescenta camadas sonoras de diferentes densidades. Esta, ficou a cargo do pianista pernambucano Vitor Araújo que, apesar da carreira consolidada e dos discos lançados –incluindo o recente “Lágrimas no Mar”, em parceria com Arnaldo Antunes–, não tinha experiência alguma como produtor.

Assim, o encontro proporcionou um tensionamento criativo sem vícios para moldar as músicas dentro do estúdio. A pós-produção ficou a cargo de Ana Frango Elétrico, que produziu o álbum anterior da banda.

Outro convidado especial de “Música do Esquecimento” é Negro Léo, que se junta aos vocais de “Quem Vai Apagar a Luz?”, uma balada dançante e meio torta, com toda cara de hit, em que a letra que diz o oposto do que a sonoridade transmite: “Quem que vai apagar a luz?/ quando o sol explodir quem é/ que vai contar os cacos?”.

Mas é “Segredo” a música mais executada da banda nos streamings. Sua letra descreve uma situação compartilhada por pessoas LGBTQIA+ sobre a necessidade de se sujeitar ao anonimato para estar na vida da outra pessoa, seja pela família, pelo preconceito, o trabalho etc.

A faixa, que já vinha sendo tocada nos shows, virou um clipe gravado em um evento como parte da dinâmica de mistério que envolveu o lançamento, e conta com a participação de fãs.

Ao longo das 14 faixas, é possível perceber o quão sério o grupo mergulhou no ofício musical, sem pesar a mão no formalismo. Eles também se valem do óbvio e do incomum em versos com palavras pouco exploradas na poesia –não vemos termos como “pentelhos” e “saco” circulando pela música tão despretensiosamente.

São jogos de ideias e sonoridades que mesclam distorção e ruídos com elaborados arranjos de cordas e sopros. Como na arrancada hardcore groovada de “Minha Mãe É Perfeita”, no piano do produtor Vitor Araújo em “Time to Say Goodnight” ou nas rimas de “Baby Míssil”.

Fugindo de todas as expectativas, o disco termina com um samba, “Deus Tesão”, cantado pela própria Chablau, em que sua voz é secundária aos ruídos ambiente de uma gravação de fundo de quintal (literalmente).

A faixa aparenta ser uma inserção jocosa para fechar o álbum, já que tudo o que não se espera ouvir da banda é um samba –como aconteceu com “Hello”, no disco anterior, uma bossa nova.

No entanto, parece ser mais uma aposta do grupo no experimento de formatos e sonoridades, somando a malícia da letra e do ritmo, que iguala o desejo mundano ao espiritual: “Se até Deus/ Sentiu desejo pra criar a terra/ E transformar o abismo em matéria / Qual o problema de eu sentir vontade?”

MÚSICA DO ESQUECIMENTO

Onde: Disponível nas plataformas digitais

Autoria: Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo

Gravadora: Risco

Avaliação: Muito Bom

PÉROLA MATHIAS / Folhapress

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