MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – A cidade mais populosa da Amazônia, Manaus, voltou a ser inundada por ondas de fumaça provenientes de queimadas, nove meses depois de a capital de 2 milhões de moradores passar pelo mesmo processo de deterioração da qualidade do ar, na seca extrema de 2023.
Todos os prognósticos apontam escassez de chuvas, altas temperaturas e baixo nível dos rios na estação seca em 2024, iniciada em julho, em padrão semelhante ao que se verificou na Amazônia ocidental em 2023.
Mesmo assim, o governo do Amazonas, a prefeitura de Manaus e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) não conseguiram impedir alastramento de queimadas na capital -encravada na floresta-, em cidades próximas e no sul do estado.
A fumaça invade diferentes pontos de Manaus desde a última sexta-feira (9), deixando a qualidade do ar em nível muito ruim, segundo classificação adotada em monitoramento do Selva (Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental), ligado à UEA (Universidade do Estado do Amazonas).
A poluição por fuligem de queimadas, com interferência direta no ar respirado pela população, não se restringe à capital. A fumaça invadiu outras cidades mais próximas a Manaus e ao sul do Amazonas.
O sul integra o principal arco do desmatamento da amazônia, uma região que engloba o norte de Rondônia e o leste do Acre -denominada Amacro.
É comum, ano a ano, que moradores de cidades do sul do Amazonas, como Lábrea e Humaitá, convivam com fumaça de queimadas feitas em propriedades rurais e em áreas griladas, durante a estiagem.
Manaus e cidades próximas passaram a ter um padrão semelhante, o que não era comum. A capital está numa região preservada de floresta, mas a persistência de desmatamento e queimadas dão à cidade um aspecto de área degradada, com fumaça no horizonte por dias e noites seguidos.
De 13 medidores em Manaus, 11 apontavam qualidade do ar muito ruim nesta segunda (12), conforme as medições compiladas pelo Selva. As escalas usadas são boa, moderada, ruim, muito ruim e péssima.
Nível semelhante de poluição do ar foi verificado em cidades próximas, como Careiro da Várzea, Careiro e Autazes, municípios com grande quantidade de fazendas e de criações de búfalos.
No sul do estado, a qualidade do ar era medida como péssima nesta segunda em Manicoré e Humaitá.
No ano passado, as ondas de fumaça duraram dias seguidos, ao longo de mais de três meses, com indicadores tidos como péssimos em boa parte dessas ondas.
Especialistas que acompanharam a tomada de Manaus pela fumaça afirmaram que a origem dos resíduos foram as queimadas nas imediações da cidade e em municípios mais próximos, especialmente Autazes.
Num dado momento da crise, o governo do Amazonas chegou a dizer que parte da fumaça era levada do Pará, o que foi negado pelo estado vizinho.
O governo estadual e a prefeitura foram incapazes de controlar as ondas de fumaça, que só arrefeciam quando havia chuva e quando a estação seca chegou definitivamente ao fim, no fim do ano.
Agora, a primeira onda consistente de fumaça, já no começo da seca, é um prenúncio do que pode ser a estiagem em 2024 na Amazônia ocidental. Dados sobre queimadas indicam que as causas podem ser semelhantes às de 2023.
Nos últimos sete dias, de 5 a 12 de agosto, houve 1.900 focos de calor no Amazonas, quase o dobro das queimadas registradas no mesmo período em 2023, segundo dados de satélite do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No Pará, a quantidade de focos foi bem maior, 3.384, conforme o Inpe.
O sistema do instituto mostra a ocorrência de 3 focos de calor em Manaus, 19 em Autazes, 11 em Careiro e 8 em Careiro da Várzea. A grande maioria das queimadas ocorre no sul do Amazonas.
O superintendente do Ibama no Amazonas, Joel Araújo, disse que as queimadas na região metropolitana de Manaus começaram a aumentar e que isso pode ter contribuído para as ondas de fumaça na cidade.
Uma hipótese investigada, segundo ele, é que a fumaça pode ter sido carregada do sul do Amazonas e até mesmo de estados como Acre, Rondônia e Mato Grosso.
O Ibama é responsável por ações apenas em áreas federais. Não atua, por exemplo, na fiscalização e no combate ao fogo em propriedades rurais em Autazes, sendo esta uma atribuição do governo do Amazonas.
As áreas prioritárias para o Ibama estão no sul do Amazonas, “onde ocorre a maior parte dos desmatamentos, incêndios florestais e queimadas há mais de 15 anos”, segundo Araújo. Três brigadas atuam em Humaitá, Manicoré e Apuí, com 89 brigadistas do Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais) do Ibama.
Em 2024, uma brigada passou a atuar em Autazes, tendo como base a Terra Indígena Recreio São Félix, com 21 brigadistas indígenas. Ao todo, o Ibama conta com 110 brigadistas no combate ao fogo.
O governo do Amazonas não respondeu aos questionamentos da reportagem.
A prefeitura de Manaus afirmou, em nota, que os dados do Inpe mostram inexistência de queimadas na cidade de sexta (9) a domingo (11). “No mesmo período, outros municípios do Amazonas somaram 706 focos de queimadas.”
Segundo o município, 99% da fumaça em 2023 não foi produzida em Manaus. Nesta segunda, a prefeitura mudou o status da cidade de normal para mobilização em razão da fumaça “proveniente de queimadas de outros municípios amazonenses e que encobre a capital”, cita a nota.
“A prefeitura está disponível para atuar em conjunto com outros municípios do estado, sobretudo nas cidades que formam a região metropolitana de Manaus, e ainda com os governos estadual e federal”, disse.
Em 2023, a seca foi histórica na Amazônia ocidental, com os níveis mais baixos já registrados nos rios Negro, Solimões, Amazonas e Madeira. Comunidades inteiras ficaram isoladas, sem água potável e sem transporte. Muitos grupos precisaram se deslocar para fugir do isolamento.
Os prognósticos para 2024 indicam mais uma seca severa. O governo do Amazonas decretou situação de emergência para 20 das 62 cidades do Amazonas. Os rios seguem baixando, e estão em nível inferior ao registrado no mesmo período no ano passado. Já há comunidades em isolamento por causa da descida dos rios.
VINICIUS SASSINE / Folhapress