SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Quando tem crise, eles me chamam para mediar”, repetia Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal de São Paulo, na noite desta terça-feira (2), após a suspensão da greve de motoristas e cobradores de ônibus que havia sido convocada para esta quarta (3).
A paralisação já estava definida pela categoria quando Leite, a pedido do prefeito Ricardo Nunes (MDB), chamou os sindicalistas para reuniões na sede da Câmara.
Nunes nega que tenha convocado Milton Leite. “É um assunto entre o sindicato das empresas e o dos trabalhadores”, afirmou o prefeito na manhã desta quarta. Segundo ele, a administração municipal remunera as empresas pelo serviço prestado, mas não tem ingerência sobre a relação delas com os funcionários. Para Nunes, o presidente da Câmara foi apenas um interlocutor entre as partes na negociação.
Antes da reunião com Leite, os trabalhadores estavam firmes na proposta de paralisação. “Vamos para a greve, não tem mais saída”, havia dito o presidente do Sindmotoristas, Edivaldo Santiago, sendo ovacionado pelos trabalhadores.
Os dirigentes começaram a chegar na Câmara por volta das 20h. Primeiro, Leite se reuniu com representantes do Sindmotoristas, que representa a categoria. Depois, o presidente da Casa ouviu a SPUrbanuss, o sindicato patronal.
Foram quase duas horas de reuniões, o que deixou Nunes ansioso.
Às vésperas do início da campanha eleitoral, o prefeito temia o desgaste com a paralisação de um serviço que atende cerca de 7 milhões de passageiros.
Dando a greve como certa, a assessoria de Nunes já havia agendado uma entrevista do prefeito à imprensa para as 6h desta quarta, na qual falaria sobre possíveis transtornos causados pela greve. Além disso, o rodízio de veículos foi suspenso na capital.
À medida que o fim da noite se aproximava e a greve continuava de pé, o prefeito teria dito aos mais próximos que dificilmente escaparia desta vez. No começo de junho, após um encontro semelhante forjado por Leite, o sindicato já havia desistido de uma paralisação.
Já era mais de 22h30 quando a greve foi enfim cancelada, e Nunes soltou um “ufa”.
“O diálogo e consequentemente a suspensão da greve demonstram respeito à população que depende do transporte público”, afirmou o prefeito à reportagem, após o desfecho.
Pelo acordo costurado na Câmara, a categoria terá reajuste salarial de 3,6%, retroativo a 1º de maio. O índice deverá subir em setembro, a partir do Salariômetro da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), e estima-se que fique próximo de 5%, também retroativo.
O vale-refeição passará para R$ 35,50 e não será mais descontado do holerite, de acordo com a assessoria do sindicato. Também ficou acertado que a jornada de trabalho será de 6h30 trabalhadas e 30 minutos de descanso remunerado, uma das principais reivindicações dos trabalhadores.
Leite anunciou o acordo com ares de vitória e desabafo. “A gente precisa ter paz, batem muito em mim”, falou o chefe do Legislativo. “As três partes estão satisfeitas. Funcionários, patrões e o prefeito”, acrescentou.
Nunes não é o primeiro chefe do Executivo paulistano a pedir ajuda a Leite em meio a ameaças de greve por cobradores e motoristas. O presidente da Câmara gosta de recordar que João Doria, prefeito de São Paulo em 2017 e 2018 pelo PSDB, também o acionou para negociar com a categoria e evitar a interrupção dos serviços.
Vereador paulistano desde 1997, Leite foi arrolado como testemunha em investigação sobre a ligação de empresas de ônibus com a facção criminosa PCC, a Operação Fim da Linha.
Desde o começo da sua carreira na Câmara ele conta com o apoio de perueiros e se diz entusiasta do setor de transportes. E justifica sua relação afinada com os empresários do segmento por ter sido o autor da lei que possibilitou a legalização das cooperativas de ônibus.
Foi a partir de cooperativas de transporte alternativo que nasceram as empresas Transwolff e UPBus, acusadas pela Fim da Linha de terem sido usadas para lavar dinheiro do tráfico.
Leite já confirmou sua relação com Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, dono da Transwolff -e que chegou a ser preso em abril deste ano acusado de lavar dinheiro para o crime organizado. Em junho, Pandora conseguiu um habeas corpus e foi solto.
Em 2006, o Ministério Público abriu procedimento para investigar o contrato entre uma empreiteira de Leite, a Lisergo, e a Cooperpam, que mais tarde se fundiu à Transwolff -Pacheco era o dirigente das duas empresas de ônibus. O caso foi arquivado. Na ocasião, Leite afirmou que o contrato era legal.
CARLOS PETROCILO / Folhapress