Manuscrito inédito de Prestes aponta estratégia para driblar tropas há 100 anos

SÃO LUIZ GONZAGA, RS (FOLHAPRESS) – Um manuscrito inédito de Luiz Carlos Prestes, guardado há 39 anos por seu filho, Luiz Carlos Prestes Filho, revela uma faceta menos conhecida do líder que se notabilizou pela ideologia política: o lado militar estrategista do revolucionário.

Já amarelado pelo tempo, o documento mostra como foi feito o rompimento do cerco governista na cidade de São Luiz Gonzaga (RS), há 100 anos, pelos integrantes da Coluna Prestes que se iniciava e rumava para o norte para se encontrar com as tropas paulistas e tentar derrubar o governo de Artur Bernardes.

De acordo com Luiz Carlos Prestes Filho, o manuscrito foi rabiscado por seu pai, em 1985, durante uma conversa com amigos. “Meu pai tinha mania de explicar as coisas desenhando ou escrevendo num papel”, disse Prestes Filho. “E foi assim que, naquele dia de 1985, ele fez esse rabisco que guardei, no qual ele explicava como foi sua estratégia para romper o cerco em São Luiz Gonzaga”.

O rompimento do cerco de São Luiz Gonzaga, ocorrido em dezembro de 1924, representou a primeira vitória da recém-iniciada Coluna Prestes e deu fama a seu líder pela ousadia e visão militar avançada. Isso porque, até então, o que se conhecia em termos de estratégia militar era a chamada “guerra de posição” e Prestes inovou, adotando a “guerra de movimento”. Dentro dessa perspectiva, a coluna marchou por 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil, por mais de dois anos, para tentar derrubar o governo oligárquico.

O modelo de combate até então praticado pelo Exército perseguia um objetivo geográfico para encurralar o inimigo num ponto específico. E foi exatamente isso que fizeram as tropas governistas, com 14 mil homens bem armados, rumando por sete frentes diferentes para São Luiz Gonzaga, onde estavam os cerca de 1.500 revolucionários.

Com fiéis informantes, Prestes ficou sabendo antes da estratégia e inovou na fuga. Ao invés de esperar os legalistas, retirou seus homens também em sete frentes paralelas às do exército governista. Anos depois, o líder revolucionário apontou os erros praticados pelos governistas: “O maior erro de um comando militar é tomar como objetivo um objetivo geográfico, quando o militar deve procurar é manter contato com o inimigo e persegui-lo para onde ele for”.

No livro “A Coluna Prestes”, a historiadora Anita Leocádia Prestes, também filha do líder revolucionário, conta que a partir de depoimentos prestados por seu pai pode-se concluir que “a obsessão pelo objetivo geográfico fizera com que as tropas governistas se deslocassem para São Luís sem manter guardas de flanco e sem observar, portanto, o que acontecia ao seu lado, entre cada uma das sete colunas que avançavam preparadas para sufocar os rebeldes na cidade”.

Quando chegaram a São Luiz Gonzaga, os 14 mil soldados governistas não encontraram sequer um revolucionário. Com poucos armamentos e quase sem munição, os rebeldes haviam deixado a cidade durante a noite em sete grupos distintos, montados em seus cavalos.

Em depoimento a Anita Leocádia, Prestes contou que não havia armamentos em quantidade, mas os revolucionários estavam bem preparados com dois cavalos para cada homem. “A coluna era formidável, era um aspecto interessante: cada cidadão a cavalo e puxando um outro cavalo”, contou.

Passados 61 anos do ocorrido, em 1985 Prestes reconstituiu o episódio no manuscrito publicado nesta reportagem. Nele percebe-se ao centro da folha escrito o nome da cidade de São Luís, cercada pelas cidades de Santiago do Boqueirão, Tupaceretã, Santo Ângelo, Serro Azul, São Borja, São Nicolau e Passo Fundo, de onde partiriam as tropas legalistas.

No manuscrito, entretanto, há uma imprecisão. Onde está a cidade de Passo Fundo, na verdade estaria a cidade de Cruz Alta. “Como meu pai estava desenhando na mesa, durante uma conversa com amigos, ele apontou a cidade de Passo Fundo no lugar de Cruz Alta”, disse Luiz Carlos Prestes Filho, que guardou aquele rascunho prevendo a sua importância histórica.

Nos dias de hoje, 100 anos depois do início da Coluna Prestes, restam poucos cenários alusivos ao conflito na região onde tudo começou.

Em São Luiz Gonzaga, para onde as tropas revolucionárias rumaram no início da marcha, permanece intacta a gruta com a imagem de Nossa Senhora de Lourdes. Ela foi erguida no alto da cidade, por senhoras católicas do município, como promessa para que não houvesse derramamento de sangue naquele lugar. Até hoje devotos vão ao local e relatam graças alcançadas pela invocação à santa.

Redação / Folhapress

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