Maranhão e Pará farão revisão de eleitorado por suspeita de fraude em transferência de títulos

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os tribunais regionais eleitorais do Maranhão e do Pará firmaram um acordo para fazer no ano que vem uma revisão biométrica em três municípios maranhenses que registraram expressivo aumento de votantes nas eleições de 2024 por meio da transferência de títulos eleitorais vindos do Pará.

Em Godofredo Viana (MA), a Corregedoria do TRE-MA identificou indícios de fraude analisando relatórios de transferências de eleitores para o município e os documentos de comprovação de residência apresentados.

A cidade teve 180 transferências canceladas, sendo 143 delas por decisão judicial. Ainda assim, o município recebeu para as eleições de 2024 transferências que aumentaram em 20,3% o total de eleitores aptos. Foram 1.809 títulos de outras cidades.

O pleito foi decidido por 337 votos a favor de Márcio Viana (PSB), com Junior Matos (PL) em segundo.

A corregedoria identificou que parte dos eleitores chegou a Godofredo Viana e a outras duas cidades do Maranhão, Cândido Mendes e Amapá do Maranhão, com títulos que antes estavam registrados no Pará.

Por isso, acionou a corregedoria do TRE-PA para um trabalho conjunto, que ocorrerá entre junho e julho do ano que vem, com a revisão do eleitorado nos três municípios por meio da coleta de dados biométricos.

A Folha de S.Paulo tem mostrado em reportagens suspeita de uma fraude generalizada nas eleições de 2024 em várias pequenas e médias cidades do país, com a transferência coletiva de eleitores cooptados para votar em determinados candidatos, o que pode ter sido determinante para a eleição de vereadores e prefeitos.

A principal suspeita é a de que eleitores de cidades vizinhas (em geral, polos em suas regiões) tenham aceitado simular a mudança de residência para esses pequenos e médios municípios em troca de dinheiro ou benefícios oferecidos pelos candidatos.

Os dados estatísticos do eleitorado brasileiro, compilados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostram em detalhes o crescimento no número de eleitores de um município, mas um dado importante fica de fora: o município de origem dos títulos transferidos.

O acesso a esses dados permitiria identificar fluxos migratórios organizados de eleitores.

O TSE foi procurado, mas não respondeu ao questionamento sobre de onde vinham os títulos, ou mesmo se tem a informação sobre isso. Nenhuma área técnica do tribunal disse, após mais de um mês de questionamentos, onde poderia haver esse dado.

Cabe a cada zona eleitoral tomar medidas para identificar e cessar esses fluxos migratórios de títulos.

A dimensão do problema, porém, é desconhecida. O primeiro desafio é a suspeita ser identificada e denunciada.

Além da possível falta de dados, há ainda uma facilidade ao fraudador: o conceito amplo de domicílio eleitoral, que é diferente do domicílio civil e bem mais subjetivo, permitindo a transferência com comprovação de vínculo “residencial, afetivo, familiar, profissional, comunitário ou de outra natureza que justifique a escolha do município.”

Em Santa Catarina, o TRE ampliou ainda mais o conceito. Em seu site, informou que o vínculo pode ser comprovado com “qualquer comprovante de endereço de qualquer familiar que resida no município” ou até se o eleitor mostrar “ter sido convidado a jogar um campeonato de futebol em nome de um clube do município”.

Em Macieira (SC), houve um aumento de 32% no número de eleitores só a partir da transferência de títulos, um dos mais altos percentuais do país.

Candidato à reeleição derrotado na cidade, Edgard Farinon (MDB) afirma que a cidade tem 1.397 moradores com mais de 15 anos, mas conta com registro oficial de 2.419 eleitores.

Entre 2023 e 2024, 645 pessoas transferiram seus títulos para ao município.

Edgard Farinon foi derrotado por Simone Zanella (PL) por uma diferença de 366 votos. Após a derrota, ele acionou a Justiça Eleitoral pedindo acesso a lista de eleitores e os documentos apresentados para a transferência de título. O prefeito afirma que a suspeita é de uso indiscriminado de contas de luz transferidas para a cidade.

A juíza Flávia Carneiro de Paris rejeitou o pedido e disse que o entendimento amplo do TRE-SC faz com que essa prática, se confirmada, não seja irregular.

Ela destacou ainda que o questionamento deveria ter sido feito antes da eleição, não sendo mais possível, agora, contestar o número de eleitores 80% maior do que o número de habitantes.

Em Rio do Pires (BA), cidade que em 2022 tinha tantos moradores quanto eleitores -cerca de 10 mil-, 1.670 pessoas pediram transferência em massa de seus títulos eleitorais para a cidade nos primeiros meses de 2024.

O PP impugnou mais de 300 títulos de uma só vez e mais 40 em uma segunda leva. Em resposta, o MDB e o Avante, que compunham a chapa adversária, apresentaram 100 nomes que não teriam comprovado vínculo com a cidade.

A juíza Viviane da Conceição Cardoso indeferiu cerca de 50 transferências que já haviam sido autorizadas pelo cartório eleitoral, pelos registros publicados em edições do Diário da Justiça Eletrônico da Bahia, mas rejeitou a maior parte dos pedidos.

A magistrada argumentou que “a mera possibilidade de que um documento possa, em tese, ser alterado não configura indício de fraude”.

Também destacou que concessionárias de energia e água confirmaram a veracidade de documentos apresentados e que, a partir disso, vale o conceito amplo do domicílio eleitoral.

No fim, a cidade teve 11.828 pessoas aptas a votar, mesmo com o Censo apontando que Rio do Pires tem população estimada de 10.801 moradores em 2024.

Zé Marcos, do Avante, venceu por margem de 708 votos Hyran Mendonça, do PSD.

DEMÉTRIO VECCHIOLI, RANIER BRAGON E CAMILA MATTOSO / Folhapress

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