Marca do Pará produz tênis com caroço de açaí e quer vender para Europa

CASTANHAL, PA (FOLHAPRESS) – Dentro de uma pequena fábrica no município paraense de Castanhal (a 75 km de Belém), uma mulher usa um pincel e tubos de tinta para colorir pares de tênis espalhados em uma mesa.

O trabalho cuidadoso precisa ser paralisado algumas vezes para ela secar o suor do rosto -a temperatura supera os 30ºC ao final de uma manhã ensolarada no início de setembro.

A pintura dos calçados é uma das etapas da produção da marca Seringô. A empresa deseja crescer a partir da busca de consumidores por produtos sustentáveis, especialmente no exterior.

A intenção é expandir os negócios colocando os tênis no mercado europeu antes da COP30, segundo o empreendedor social Francisco Samonek, 73, responsável pela marca. A conferência da ONU sobre mudanças climáticas está agendada para novembro de 2025 em Belém.

Samonek é conhecido na região por desenvolver iniciativas que buscam unir geração de renda para comunidades locais e conservação ambiental.

“O consumidor brasileiro ainda não está olhando para a questão da sustentabilidade tanto quanto se olha lá fora”, afirma o empreendedor, ao falar dos planos de venda de tênis para a Europa.

Os calçados da marca utilizam em sua composição matérias-primas da região amazônica, como o caroço de açaí e a borracha produzida a partir de seringais nativos do arquipélago do Marajó, também localizado no Pará.

“Tem pequenas fabriquetas que descartam sacos e sacos de caroço de açaí na calçada. Tenho condições de pegar o caroço, fazer um tratamento e triturá-lo na máquina. Ele fica bem refinadinho”, conta.

De acordo com o empreendedor, o material contribui para que a borracha não encolha nos calçados.

“Toda a nossa borracha recebe o pó do caroço de açaí. Barateia o custo. Assim, também consigo pagar mais para o seringueiro.”

Nascido no Paraná, Samonek vive há 42 anos na região amazônica. Formado em letras, ele já trabalhou como professor, morou no Acre e, em paralelo, desenvolveu diferentes projetos voltados à cadeia produtiva da borracha.

A Seringô, diz o empreendedor, nasceu como marca em 2018 a partir de uma dessas iniciativas, a Poloprobio, uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público).

A Poloprobio executa o projeto do governo estadual Marajó Sustentável, que busca reativar seringais nativos do arquipélago paraense.

“A Oscip só fazia a parte educacional, de desenvolvimento, de assistência técnica, não comercializava. Quando a gente resolveu colocar o calçado e incrementar a produção, sentimos necessidade de entrar no mercado, de ter a empresa”, diz Samonek.

A montagem dos tênis da Seringô é feita no outro extremo do país, no Rio Grande do Sul. A empresa deseja implementar mudanças em seus processos para que, depois da passagem pelo Sul, as mercadorias não tenham de voltar para o Norte, como ocorre atualmente.

“A gente sabe o quão difícil é viver na floresta hoje. Queremos dar uma condição de vida para que o seringueiro possa estar cuidando da floresta”, afirma Samonek.

A marca também vende artesanatos produzidos por comunidades locais que recebem capacitação. A renda obtida com essas mercadorias volta integralmente para as famílias, diz o empreendedor.

“Quero viver bem, mas não quero acumular. Não tenho mais pretensão de ter um novo imóvel, casa ou carro. A vida da gente é trabalhar com o propósito de ajudar as pessoas, de ampliar o quantitativo envolvido. Fica um legado.”

O jornalista viajou a convite da Fundação Dom Cabral

LEONARDO VIECELI / Folhapress

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