SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O efeito Pablo Marçal (PRTB), que incomodou campanhas rivais após sua participação em dois debates, atinge Ricardo Nunes (MDB) em um momento de crise do prefeito com o bolsonarismo.
A situação se tornou ainda mais delicada para a campanha do emedebista após Jair Bolsonaro (PL) elogiar Marçal nesta quinta-feira (15) e deixar explícita sua contrariedade com Nunes, apesar do compromisso partidário de apoiá-lo.
Na manhã desta sexta, no primeiro dia oficial de campanha, Nunes reagiu à fala de Bolsonaro com uma série de críticas a Marçal. Em uma missa em Santo Amaro (zona sul), o prefeito afirmou que “não tem outro M para a cidade que não o M da verdade” e disse que melhor que rede social é ação social.
“A gente está falando de uma ação da vida real. Isso aqui não é o pico dos Marins”, disse em referência ao local onde Marçal liderou uma excursão e precisou ser resgatado pelos bombeiros.
Sobre Bolsonaro ter dito que Nunes não é seu candidato dos sonhos, o prefeito afirmou que “não estamos vivendo de sonho, mas de realidade” e que “vender sonho é para outro candidato”.
Nunes ainda reiterou ter o apoio de Bolsonaro, disse que ele é bem-vindo nos atos de campanha e que o ex-presidente já teve destaque, sobretudo na convenção. “Não existe isso de esconder [o Bolsonaro]”, afirmou, sem deixar de criticar a polarização e ressaltar que é preciso “falar da cidade”.
Mais tarde, em uma caminhada com apoiadores no centro nesta sexta, Nunes afirmou “achar estranho” que Bolsonaro elogie “alguém que falou mal dele e do filho dele”.
“Mas está tudo tranquilo. […] Eu falei com a Michelle [Bolsonaro]. A gente está unido. Às vezes dá um ruidinho aqui, outro ali, por [questão de] interpretação. O que ele nos disse é que foi mal-interpretado e que ele é 100% com a gente. Isso é palavra do presidente Bolsonaro”, completou.
Como noticiou a coluna Painel, Bolsonaro disse a aliados nesta sexta que manterá seu apoio a Nunes.
O aval do ex-presidente à reeleição do prefeito era a aposta da campanha do MDB para mobilizar o eleitor da direita e, sobretudo, estancar o fluxo de votos para Marçal que foi de 7% para 10% e depois para 14% nas pesquisas Datafolha desde maio.
Mas, pelo contrário, Bolsonaro e seu entorno demonstraram insatisfação com Nunes nesta semana por causa de um vídeo do prefeito em apoio a Joice Hasselmann (Podemos) como candidata a vereadora eleita em 2018 na onda bolsonarista, ela rompeu com o grupo e é considerada traidora.
Nunes respondeu que fez gravações genéricas para os cerca de 600 candidatos a vereador da sua coligação, como Joice, e que ela não é sua candidata.
Para além desse caso pontual, persiste a cobrança para que Nunes se bolsonarize, enquanto o MDB insiste em basear sua campanha nas entregas da gestão.
E, com isso, como declarou Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ao jornal O Globo, Marçal “cresce no vácuo” de acenos de Nunes à direita bolsonarista. O deputado disse que Nunes falha em tentar se “posicionar ao centro” e ressaltou que o influenciador se alinha “com o eleitorado fiel aos nossos valores”.
“Quero ver o Nunes falando contra o aborto, contra a ideologia de gênero e sobre as perseguições que sofremos pelo Brasil. O nosso eleitor está esperando esta sinalização”, completou.
Em entrevista nesta quinta à Rádio 96 FM, de Natal, o ex-presidente elogiou o que chamou de “figura nova do Pablo Marçal”.
“Fala muito bem, uma pessoa inteligente, tem suas virtudes. Não tem experiência, mas faz parte.” Bolsonaro disse que Nunes não é seu “candidato dos sonhos”, mas que assumiu o compromisso de ajudá-lo após perder uma queda de braço com Valdemar Costa Neto, presidente do PL, e indicar o nome do vice na chapa.
Integrantes da equipe de Nunes afirmam que Bolsonaro embarcará na campanha em seu devido tempo. Outros minimizam o avanço de Marçal, argumentando que o mundo das redes não reflete o mundo real.
A preocupação com Marçal tem mobilizado não só a campanha do MDB.
A postura do influenciador, considerada agressiva nos debates, com ataques e fake news, levou as equipes adversárias, incluindo Guilherme Boulos (PSOL), Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB), a conversarem sobre possíveis medidas para contê-lo.
Aliados de Nunes também dizem esperar uma resposta do mundo político tradicional a Marçal, o que beneficiaria o prefeito.
Até agora, há duas ações judiciais em curso. Uma mira a candidatura de Marçal, movida pelo PSB de Tabata, e outra já tem decisão favorável a Boulos, obrigando Marçal a excluir de suas redes os vídeos vídeos em que associa, sem provas, o deputado do PSOL ao consumo de cocaína.
Em outra frente, coordenadores das campanhas buscam reiterar com organizadores dos próximos debates que as regras sejam cumpridas e que fake news propagadas por Marçal ensejem necessariamente a concessão de direito de resposta.
A avaliação geral é a de que o candidato do PRTB descumpriu o que foi acordado no debate de quarta-feira (14), em que, por exemplo, levou um objeto ao palco uma carteira de trabalho, que levou a troca de agressões com Boulos.
Enquanto o prefeito patina entre os bolsonaristas, Marçal faz acenos e ativa símbolos importantes para o grupo. Essa estratégia ficou clara na convenção do PRTB. Marçal foi mencionado por dirigentes do partido como alguém que defende os valores “Deus, pátria e família”, lema de origem fascista que compôs a fundamentação ideológica do governo Bolsonaro.
O influenciador também diz com frequência que Nunes não é realmente de direita e que empregou pessoas de esquerda no seu secretariado, como a agora vice de Boulos, Marta Suplicy (PT).
Políticos bolsonaristas afirmam que não irão fustigar Nunes ou declarar apoio público a Marçal. Mas ponderam que o ecossistema digital revela que os eleitores estão animados com o influenciador e que líderes conservadores sem amarras com Bolsonaro podem acabar manifestando apoio ao empresário.
Após o debate da Band, no último dia 8, políticos bolsonaristas, como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carla Zambelli (PL-SP), fizeram coro à bravata de Marçal de que Boulos seria usuário de cocaína.
Desde que Bolsonaro fechou a aliança com Nunes, o prefeito tem sido cobrado por aliados do ex-presidente a ressaltar bandeiras ideológicas, que não tiveram destaque no discurso eleitoral do emedebista por enquanto, apesar de ele ser um conservador católico.
Outra cobrança é a de que nomes próximos de Bolsonaro tenham mais influência na campanha e na gestão de Nunes. A maior concessão do prefeito ao bolsonarismo foi aceitar ter como vice o nome indicado pelo ex-presidente, o ex-Rota Ricardo Mello Araújo.
Mesmo após firmar a aliança, porém, o prefeito não colou sua imagem na de Bolsonaro. Nunes segue numa corda bamba: precisa do voto do eleitorado do ex-presidente, mas teme herdar a rejeição do aliado e perder votos do campo moderado.
Em resposta ao vídeo em que Nunes apesenta Joice, que rompeu com Bolsonaro em 2019, Eduardo Bolsonaro afirmou que o prefeito “cava a própria sepultura ao apoiar a maior traidora do bolsonarismo”.
Aliados do prefeito afirmam que Nunes deve dividir suas críticas entre Boulos e Marçal, como vem fazendo. No debate da Band, o prefeito chamou o adversário de “blá blá blá” Marçal. Na terça-feira (13), associou Marçal a “pessoas envolvidas com o PCC”.
CAROLINA LINHARES E ANA LUIZA ALBUQUERQUE / Folhapress