SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) sofreu uma série de derrotas políticas e na Justiça após ter publicado um laudo falso na noite de sexta-feira (4) para mais uma vez tentar associar Guilherme Boulos (PSOL) ao uso de cocaína.
Além de ter seu perfil no Instagram suspenso por decisão judicial e uma nova conta na rede criada e também derrubada no mesmo dia pela Justiça, Marçal entrou na mira do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, que intimou o influenciador a prestar esclarecimentos em 24 horas sobre publicações feitas no X (ex-Twitter), plataforma suspensa pelo magistrado.
Evidências levantadas nas horas seguintes à publicação de Marçal contra Boulos mostraram que o prontuário apresentado foi forjado e, no final da tarde deste sábado (5), uma perícia do Instituto de Criminalística de São Paulo confirmou a fraude.
A conduta de Marçal foi atacada inclusive por adversários políticos de Boulos, enquanto o influenciador buscou minimizar, dizendo que apenas recebeu o laudo e publicou em rede social.
Moraes disse que a conduta do autodenominado ex-coach, em tese, caracteriza abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação, “sendo grave a afronta à legitimidade e normalidade do pleito eleitoral”, podendo acarretar na cassação do registro ou do diploma e inelegibilidade.
O ministro determinou que a ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), fosse oficiada com urgência de sua decisão.
Boulos, como antecipou a coluna Mônica Bergamo, da Folha, pediu à Justiça a prisão do influenciador por falsificação de documento.
Segundo o documento falso atribuído à clínica Mais Consulta, o congressista teria sido atendido em janeiro de 2021 na unidade do Jabaquara, na zona sul da capital paulista, em surto psicótico. Ainda segundo o laudo falsificado, o acompanhante do agora candidato do PSOL teria levado um exame toxicológico que apontaria a presença de cocaína no sangue do atual deputado.
Na manhã deste sábado, o juiz Rodrigo Marzola Colombini, da 2ª Zona Eleitoral de São Paulo, chamou o laudo de falso e concedeu liminar determinando a pronta exclusão de vídeos publicados nas plataformas Instagram, TikTok e YouTube fazendo referência ao documento.
Já o juiz eleitoral das garantias Rodrigo Capez retirou o sigilo do processo da notícia-crime apresentada por Boulos com pedido de prisão contra Marçal, mas avaliou que, para garantia da ordem pública, caberia outra medida que não a prisão e determinou a suspensão do perfil de Marçal no Instagram por 48 horas.
Na perícia em que confirmou a falsidade do laudo, o Instituto de Criminalística de São Paulo confrontou diversas assinaturas do médico citado no documento falso, José Roberto de Souza, com a que consta do documento divulgado por Marçal.
“É falsa a imagem da assinatura em nome do médico ‘JOSÉ ROBERTO DE SOUZA”‘, lançada no receituário objeto de exame, descrito no capítulo ‘Peça de Exame’, posto que tal assinatura não apresenta as mesmas características gráficas dos exemplares observados nos documentos descritos no capítulo ‘Padrões de Confronto’, diz o documento.
A análise ocorreu por meio da comparação de sete documentos assinados pelo médico com a assinatura usada no laudo falso divulgado por Marçal. Além disso, o laudo constatou problemas também na documentação de Boulos citada no documento falso que possui um dígito adicional, sendo observados dois dígitos verificadores em vez de somente um.
A médica Aline Souza, filha do médico José Roberto de Souza, também afirmou em vídeo que o pai dela nunca trabalhou na clínica que aparece no falso laudo.
Marçal vinha prometendo ao longo de toda a campanha expor um processo judicial e uma internação de Boulos por uso de cocaína. Como revelou a Folha, o influenciador se baseava no processo de um homônimo para acusar o deputado.
Depois, o próprio congressista afirmou em debate Folha/UOL que a internação mencionada pelo rival no Hospital do Servidor havia sido motivada por um episódio de depressão quando jovem.
Com a acusação esvaziada, o influenciador apelou para o laudo falso. A falsificação representa o ponto mais grave da estratégia adotada pelo autointitulado ex-coach na campanha: viralizar a partir de acusações falsas, falas agressivas e polêmicas para se tornar mais conhecido entre os eleitores.
No despacho de Moraes que mira Marçal pelo uso do X, há menção a ofício da Polícia Federal apontando intensa atividade do perfil do influenciador na rede a partir do dia 2 de outubro. As publicações incluíram a reprodução de imagens do laudo falso sobre Boulos.
A PF disse que, na sexta, às 21h45, houve a publicação no X de um vídeo com o título “Tá aqui a prova sobre o Boules”, onde consta a imagem do documento com o título “Receituário”, datado de 19 janeiro de 2021, assinado por “Dr. José Roberto de Souza, CRM 17064SP”.
Também citou que, às 5h50 deste sábado, o perfil publicou um vídeo no qual consta a notificação de retirada de uma postagem na rede social Instagram, com o título “tá aqui a prova sobre o Boules”.
Moraes afirmou que o uso sistemático do perfil, bem como nos dias anteriores, “se amolda à hipótese de monitoramento de casos extremados, em que usuários utilizam subterfúgios para acessar e publicar na plataforma X”.
O magistrado ressaltou a determinação de aplicação de multa diária de R$ 50 mil para quem fraudar a decisão judicial sobre o X, sem prejuízo das demais sanções civis e criminais.
Neste sábado, Marçal buscou minimizar sua conduta. “Eu recebi e publiquei” declarou. “Não fui eu que dei o laudo, eu só publiquei.”
“Eu, Pablo, na minha rede social foi postado. Eu não tenho nenhuma ligação com o laudo. Pode perguntar para o Tassio Renan, que é meu advogado e checar.”
Ele afirmou ainda que caberia a Boulos a contraprova sobre a veracidade do laudo e acusou, novamente sem evidências, o deputado do PSOL de fraudar o exame toxicológico apresentado no debate da TV Globo.
Questionando sobre quando mostraria provas em relação a isso, respondeu “quando eu quiser”. Apesar da possibilidade de sofrer condenações, Marçal disse não ter medo de ser preso. “Que dia? O que é isso?”
Como último ato de campanha, ele dizia pretender correr 128 km por São Paulo. A maratona começou por volta das 23h desta sexta e deveria acabar no momento em que irá votar neste domingo (6).
Até a tarde deste sábado, ele havia percorrido 63 km, ao lado de integrantes da campanha e apoiadores, entre eles, o advogado Tassio Renan, a quem ele atribui a responsabilidade pela publicação do laudo falso.
O advogado afirmou que se lesionou no percurso e deixou a maratona, antes do trecho onde Marçal falou com a imprensa.
ANA LUIZA ALBUQUERQUE, BRUNO XAVIER, ARTUR RODRIGUES, RENATA GALF, CONSTANÇA REZENDE, CARLOS PETROCILO E MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress