Marçal usa ‘virilidade’ e ideal de família tradicional para crescer entre conservadores

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Carol, eu queria saber como ser submissa e colocar na cabeça que a gente não está sempre certa”, pergunta no meio da plateia uma mulher loira de casaco preto, que segura um microfone.

Antes que Ana Carolina Marçal possa responder, seu marido, o influenciador e autodenominado ex-coach Pablo Marçal (PRTB), intervém. “Essa resposta tem o poder de libertar a humanidade”, ele diz.

Naquela noite, em outubro de 2023, o casal dava uma palestra, intitulada “Os Códigos da Vida Real”. Nela, ensinavam aos alunos práticas para fortalecer a família —entendida por eles como aquela formada por uma mulher, um homem e os filhos.

Com um vestido de tom terroso, coberta do pescoço ao tornozelo, Ana Carolina responde que há uma distorção sobre o que é ser submissa. “Se tiver dois cabeças dentro de um lar, a equipe vai rachar no meio. Cada um tem o seu papel, sua função, seu lugar. O marido vai na sua frente para te proteger”, ela diz.

Marçal, na mesma linha, completa com um conselho para as mulheres: “Entregue essa submissão para o cara que tem coragem de morrer por você. Homem vai na frente para tomar porrada, não para falar que a mulher é dele”.

Hoje candidato à Prefeitura de São Paulo, o influenciador transpôs a lógica da família heterossexual conservadora dos negócios para a campanha. Da mesma forma que se vangloria dos milhões conquistados, ou de suas habilidades físicas, Marçal anuncia seu núcleo familiar como um modelo de sucesso.

Seguindo a mesma lógica de valorização da masculinidade tradicional, o fato de ter adotado uma agressividade constante, porém, pode afastar o eleitorado feminino.

Segundo a última pesquisa Datafolha, Marçal tem 26% das intenções de voto entre os homens na cidade, atrás apenas do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tem 27%. Ao mesmo tempo, a rejeição do influenciador entre as mulheres chegou a 45% após ter crescido oito pontos percentuais, no limite da margem de erro, em apenas uma semana.

Para que o influenciador tente reverter esta tendência, Ana Carolina pode ter um papel importante. O mesmo vale para a sua vice, a policial Antônia de Jesus (PRTB). Marçal já afirmou, por exemplo, que, mesmo enfrentando adversários do campo progressista, foi o único a escolher uma mulher negra para sua chapa.

Com frequência o empresário diz que conheceu Ana Carolina muito jovem e que ela foi sua primeira e única namorada. Para a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora na universidade College Dublin (Irlanda), essa é uma maneira de reforçar o valor da lealdade. “Esse valor fundamental de crescer junto na riqueza com uma única mulher. Um valor um pouco religioso”, afirma.

O influenciador costuma se colocar como o provedor, defensor da mulher e dos quatro filhos, assim cumprindo o que diz ser o papel de um homem. Já Ana Carolina aparece como a esposa dedicada à harmonia do lar e à família.

Nas redes, seu conteúdo se assemelha ao das “tradwives”, nome em inglês que pode ser traduzido como “esposa tradicional”. Há muitas influenciadoras do tipo nos Estados Unidos, que defendem que a mulher deve cuidar da família, do marido e dos filhos e que os homens devem protegê-los.

No Brasil, a maioria das referências gira em torno do conceito da mulher de valor, ou valorosa, que se opõe às feministas. Na última sexta-feira (30), Ana Carolina fez uma pergunta às seguidoras no Instagram: “O que você tem feito para ser/se tornar uma mulher virtuosa? Me conta aqui nos comentários”.

Somando 1,5 milhão de seguidores na rede, a mulher de Marçal também abriu um canal no Telegram no ano passado para falar sobre maternidade, casamento, “treinamento de filhos”, gestão do lar e “vida com o Senhor”. Aproveitou ainda para vender uma agenda personalizada com versículos bíblicos diários.

Se antes Ana Carolina tinha sua função nos negócios, agora na campanha ela ajuda a transmitir a imagem de Marçal como um homem de família. Na convenção que confirmou a candidatura do marido, a influenciadora entrou no palco com os quatro filhos do casal, dizendo que o empresário havia recebido um chamado de Deus para concorrer.

Ativando símbolos da masculinidade tradicional, ela disse ainda para o marido ir para a guerra, pois a família o esperará em casa.

A pesquisadora Camila Rocha, coautora do livro “Feminismo em Disputa” e colunista da Folha de S.Paulo, afirma que o casal dialoga com uma ideia importante no mundo do marketing digital. “A religião é importante, mas acessória. Mais importante é a ideia de financeirização da vida. Esse mundo acredita que, para o homem de valor ficar rico, ele precisa de uma mulher virtuosa que o ajude a enriquecer.”

Enquanto Ana Carolina fala em virtudes, Marçal faz referências a uma crise de virilidade, acenando aos homens que se sentem desprestigiados em um mundo com avanço de pautas feministas.

Rosana Pinheiro-Machado diz que Marçal tem apelo entre esses homens, que formaram também a base de eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “É o apelo para o mundo do homem que quer ser o provedor, ser rico, ter uma família dentro dos moldes que considera tradicionais.”

Quando adversários faltaram ao debate da revista Veja para fugir de sua agressividade, o influenciador afirmou que o caso espelhava um problema social e disse que os homens estão perdendo “virilidade e masculinidade”.

“O problema da sociedade hoje é que falta homem. As mulheres estão dando um show, quero mandar um beijo para as outras candidatas, que não arregaram. Na hora que apertou, o homem fugiu, é isso?”, questionou.

A agressividade e a violência incorporadas por Marçal reforçam atributos historicamente associados aos homens. O influenciador já afirmou em uma de suas palestras que “um homem de verdade é violento, mas sabe controlar a violência dentro dele”.

“Meus filhinhos pequenininhos eu falo: vocês precisam aprender a ser violentos. Ser violento é uma dádiva, mas tem que aprender a controlar a violência. Um homem que não é violento tinha que tirar o nome dele de homem”, disse.

Na mesma linha, Marçal explora nas redes seu potencial físico, como quando diz, por exemplo, que treinou apenas 43 dias para completar o Ironman, uma desafiadora prova de triatlo.

O influenciador também já afirmou que o homem é amado apenas por sua utilidade. Esse discurso é muito comum em meios “red pill”, nos quais homens misóginos defendem que a sociedade tenta emasculá-los e que eles são perseguidos e desprivilegiados.

“Sua mulher nem te ama do jeito que você imagina. Ela ama sua utilidade. A gente ama mulher, menino, idoso. Homem não”, diz Marçal em um corte que circula nas redes. “Se o homem perdeu a utilidade sexual, já perdeu quase tudo. Perdeu a capacidade financeira é o primeiro motivo de divórcio no Brasil hoje.”

ANA LUIZA ALBUQUERQUE / Folhapress

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