SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Anos sendo uma das vozes mais altivas do discurso contra a guerra às drogas cansaram Marcelo D2. O cantor, que desde a década de 1990 entoa canções desfavoráveis a autoridades políticas e a atitudes violentas em operações policiais, nos últimos anos se viu exausto, como ele mesmo define.
O que causou a volta de sua animação foi a proposta de criar -ao lado de Malu Miranda, Antonia Pellegrino e Camila Agustini- uma série que perpassa esse tema. “Amar É Para os Fortes” vai estrear na quinta-feira (17) no Prime Video e trata da saga de duas mulheres negras após a morte de uma criança durante uma operação policial no Dia das Mães. A direção do projeto é de Kátia Lund, Yasmin Thayná e Daniel Lieff.
Foi só na metade da entrevista que D2 se soltou (mais um sinal de sua exaustão sobre o assunto?). A pergunta que desatou a faladeira foi sobre o que a produção tem de diferente. Afinal, a importância do tema é inegável, mas histórias do tipo não são novas. “É um desafio para o audiovisual falar sobre isso porque já é um ambiente muito explorado. Então contar essa história do ponto de vista das mães foi um acerto”, avalia ele.
Por outro lado, também foi difícil criar uma narrativa que não polarizasse ainda mais o debate. Para ele, o importante agora é ouvir mais e falar menos. A história das duas mães se entrelaça após o filho de 11 anos de Rita, interpretada por Tatiana Tibúrcio (a Jussara de “Terra e Paixão”) ser morto pelo policial Digão (Maicon Rodrigues), filho de Edna, papel de Mariana Nunes.
A dor da perda faz ambas trilharem um caminho de busca de justiça e redenção, enfrentando a corrupção policial e a morosidade do sistema judiciário. Para D2, a aposta em trazer um problema social grave do ponto de vista do afeto tem um apelo universal.
“Estamos acostumados a torcer, mas, nessa série, não sabemos para quem ser a favor ou contra, só para que tudo fique bem no final”, afirma. “E mudou meu olhar sobre a situação, você inevitavelmente acaba tomando partido de um lado só, e tem uma frase do Marcelo Yuka, da banda O Rappa, que é ‘morre também quem atira’, mas só agora isso se concretizou dentro de mim.”
Nas cenas escritas pelo time e nos diálogos fictícios, o rapper relembrou uma situação marcante vivida na infância. Ele e a mãe, Paulete, foram abordados por uma viatura. Na época grávida da irmã de D2, Carla, Paulete foi obrigada a ficar com as mãos na parede.
Na volta para casa, os pais tiveram uma conversa estranha e dura com ele. “Foi um discurso do tipo ‘vamos ser tratados assim e temos que tomar cuidado, temos que nos submeter a isso para sobreviver’. Foi terrível”, afirma.
Na entrevista, ele também relembra uma “dura” que tomou da polícia, quando já era mais ou menos conhecido, ao lado de um produtor americano. “A polícia colocou a arma na nossa cara. Quando fomos liberados, o americano estava amarelo, e eu perguntei ‘ninguém nunca botou a arma na sua cara?’, e ele ‘não, isso é um absurdo’. Acho que naquele ano já era a terceira vez que acontecia comigo.”
Já adulto, com quarenta e poucos anos, D2 resolveu fazer terapia para lidar com esses traumas. “Poucas pessoas têm o privilégio de sentar na frente da terapeuta e falar ‘tomei tapa na cara para caralho da polícia e isso me causa muita raiva’.”
MARIA PAULA GIACOMELLI / Folhapress