MARIANA, MG (FOLHAPRESS) – O prefeito de Mariana, Celso Cota (MDB), reclama da falta de participação dos municípios nas negociações entre União, governos de Minas Gerais e Espírito Santo e Vale. À reportagem ele disse que o município foi excluído das negociações recentes e precisa ser contemplado de forma diferenciada no acordo para reparação dos danos do desastre.
Em 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma barragem da empresa Samarco, pertencente à Vale e à britânica BHP Billiton, gerou uma enxurrada de lama que engoliu um dos distritos da cidade mineira Bento Rodrigues e percorreu a bacia do rio Doce até chegar ao mar, no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram.
“Mariana é o epicentro do acontecimento; se toda a bacia do [rio] Doce foi impactada, imagina aqui na região onde tudo aconteceu. A Samarco só existe porque ela minera no território de Mariana, a barragem é aqui em Mariana, as comunidades que foram 100% devastadas são de Mariana, a economia que foi impactada de forma imediata é a de Mariana e a cidade que continuou sendo impactada socialmente, de forma mais contundente, foi Mariana”, diz.
Ele assumiu a Prefeitura de Mariana em agosto de 2023, depois de quase três anos afastado pela Justiça eleitoral; nesse período, a cidade teve outros três prefeitos. Ele não é pré-candidato à reeleição.
O município espera receber R$ 3 bilhões do acordo, ainda que as conversas caminhem para uma cifra menor. A prefeitura divulgou neste ano um relatório que aponta serem necessários R$ 20 bilhões para que a cidade se recupere dos impactos da tragédia e US$ 7,5 bilhões (R$ 41,6 bilhões) para criar um ambiente de diversidade econômica na cidade hoje com ainda 80% da receita atrelada à mineração.
Segundo pessoas envolvidas nas conversas intermediadas pelo Ministério Público e Justiça Federal, o avanço da ação na Inglaterra contra a BHP acelerou as discussões no Brasil, o que agradou aos governos. Em outubro, a Justiça britânica vai começar a analisar a responsabilidade da mineradora na tragédia.
Em um mês, por exemplo, tanto governo federal quanto mineradoras já anunciaram publicamente propostas e contrapropostas. A última oficial veio das empresas, que querem pagar R$ 82 bilhões em 12 anos aos governos e municípios afetados. Outros R$ 20 bilhões seriam destinados em obrigações (valor que considera obras de reparações feitas pelas empresas, como a retirada de rejeitos do rio Doce).
Agora as partes negociam um aumento. A União propõe R$ 109 bilhões em novos repasses, com o argumento de que não é possível auditar o que as mineradoras já desembolsaram com a reparação. Além disso, os governos querem que as empresas se comprometam a monitorar os reparos feitos ao longo da bacia do rio Doce até que seja constatado que não são mais reversíveis, ponto que estaria sendo contestado por elas. A Vale não quis comentar.
A celeridade na Inglaterra, aliás, fez com o que o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) entrasse com uma ação no STF questionando eventual inconstitucionalidade na participação de municípios brasileiros em processos judiciais no exterior. O movimento não foi bem-visto pelo governo federal, segundo interlocutores.
Paralelamente, o escritório Pogust Goodhead, que representa os municípios, acusou em Londres o instituto de fazer lobby pró-BHP e divulgou uma série de encontros recentes entre representantes do Ibram e da mineradora com autoridades brasileiras, como o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A acusação deve ser analisada na semana que vem pela Justiça britânica.
Agora, a expectativa é que uma cifra em comum seja acordada no Brasil até agosto, quando o conselho de administração da Vale deve se reunir para discutir o tema. A partir daí, cada município terá 120 dias para analisar se adere ou não ao acordo os prefeitos querem ampliar o prazo para 180 dias, para contemplar a próxima administração municipal.
O Coridoce (Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce), que reúne as cidades afetadas pela tragédia, por exemplo, reivindica que 11% do total acordado vá para os municípios a conta foi feita ainda em 2016, quando o Ministério Público Federal entrou com uma ação contra as mineradoras destacando serem necessários R$ 155 bilhões para a reparação.
Ainda que as empresas concordem com o valor proposto pela União no início de junho, de R$ 109 bilhões em dinheiro novo, os municípios receberão R$ 12 bilhões, se o percentual reivindicado pelo Coridoce for acatado. Para ter R$ 3 bilhões, portanto, Mariana precisaria ser contemplada com um quarto da parcela dos municípios número improvável, segundo quem acompanha as discussões.
“A gente tem acompanhado as negociações com muita atenção, mas essa discussão tem ficado muito fechada entre os governos federal, estadual, Justiça Federal e Ministério Público; os municípios estão com pouca participação. O impacto foi no nosso território e somos nós que vemos o impacto social crescer no dia a dia por falta de investimentos”, diz Cota.
Por outro lado, caso os municípios vençam a ação na Inglaterra, a expectativa é que as cidades afetadas recebam R$ 30,7 bilhões, ainda que seja incerto quanto disso iria para os cofres de Mariana.
De acordo com o prefeito, desde a tragédia, a população de Mariana cresceu de forma desproporcional devido à contratação de funcionários para as obras de reparação administradas pela fundação Renova. Do rompimento até hoje, por exemplo, o número de atendimentos diários na saúde básica da cidade triplicou, saltando de 400 para 1.200, segundo a gestão municipal. Além disso, a prefeitura calcula que a cidade tenha hoje uma população flutuante de 35 mil habitantes (fixa é de 61 mil, segundo o IBGE).
“Essas pessoas vieram e não vão mais embora porque aqui ficou a expectativa de novas oportunidades, e hoje elas ocupam espaços irregulares. Há hoje mais ou menos 5.000 famílias morando em áreas irregulares”, diz.
A Folha de S.Paulo esteve na cidade no início do mês e constatou a grande quantidade de trabalhadores vindos de fora da cidade e do estado, principalmente nas obras de construção dos novos distritos destruídos pela lama em 2015. Segundo a Renova, 80% das obras nos novos distritos estão finalizadas as obras da fundação em Mariana, porém, vão além.
Em nota, o Governo de Minas Gerais disse que vem defendendo os interesses dos municípios nas negociações e que, para melhorar a organização dos trabalhos, as cidades afetadas são representadas pelo Coridoce nas negociações. “Dentre os 39 municípios atingidos em Minas Gerais e 11 atingidos no Espírito Santo, Mariana é o que mais receberá recursos de livre utilização”, afirmou.
O presidente do Coridoce, José Roberto Gariff, confirmou que os municípios não têm participado das últimas conversas, mas descartou que tenham sido excluídos. “Isso não quer dizer que não estamos participando; fomos ouvidos em mais de dez reuniões.”
PEDRO LOVISI / Folhapress