Marinha compra antenas sem aval da Starlink e fere regra de exportação da empresa

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Marinha do Brasil assinou uma série de contratos para aquisição de internet da Starlink para navios com empresas não autorizadas pela gigante americana a revender seus produtos para esse tipo de uso.

As contratações das antenas do grupo de Elon Musk para uso militar, sem o aval da Starlink, ferem regras para a revenda dos produtos da empresa, mostram documentos obtidos pela Folha.

Apesar disso, foram ao menos sete contratos que a Marinha fechou para o fornecimento de serviço de internet dos satélites de baixa órbita da Starlink. A banda larga atende os navios Maracanã, Bracuí, Babitonga, Atlântico e Cisne Branco, além da Fragata Liberal. Os contratos representam cerca de R$ 300 mil.

A Marinha afirma que não há irregularidades.

Em todos os casos, as vencedoras são micro e pequenas empresas sem autorização formal da Starlink para revender seus produtos.

Para ter as antenas em estoque, esses grupos geralmente compram os kits da Starlink como pessoa física, instalam nos navios e mandam o faturamento à Marinha como pessoa jurídica.

A Starlink exige o credenciamento de empresas como revendedoras para manter controle sobre os clientes finais de seus produtos. A autorização é concedida após as companhias assinarem uma “carta de solidariedade” e comprarem milhares de kits de antenas –um investimento de cerca de R$ 4 milhões.

Quando as empresas pretendem participar de licitações no setor de defesa, elas precisam submeter a proposta à Starlink, que analisa se as regras do edital permitem a venda direta ou precisam passar pelo setor de exportação específico sobre Defesa Nacional no governo dos Estados Unidos.

O documento, obtido pela Folha, diz que, ao vender os produtos da Starlink, o cliente deve se certificar que os kits de internet “não serão usados, operados e testados em veículos militares, equipamentos de defesa ou inteligência, ou para cenários de combate”. A Marinha não teve acesso a esses termos.

“O cliente concorda”, continua o documento, “em não modificar os Kits Starlink para usos militares ou de inteligência, pois tais modificações podem transformar os itens em artigos de defesa controlados pelas regulamentações de exportação dos EUA, exigindo autorização para exportação, suporte ou uso fora dos Estados Unidos”.

A Starlink ainda afirma que erros nos procedimentos podem “resultar em violações do controle de exportações” dos EUA. “A Starlink reserva o direito de encerrar ou suspender os serviços em resposta a violações dessas certificações por sua empresa ou pelo cliente governamental”, conclui.

CEO da Telespazio Brasil, uma das empresas certificadas pela Starlink, o italiano Marzio Laurenti afirmou à Folha que as Forças Armadas brasileiras não têm se atentado às normas da Starlink e estão sujeitas à derrubada dos sinais de internet.

“Quem deveria se preocupar é o cliente final. É fácil para a Starlink desligar o sinal [de antenas irregulares], e o problema é da Marinha, que investiu. Esta deveria ser uma preocupação do cliente final: garantir que quem participa de um certame seja, realmente, autorizado pela Starlink para vender às Forças Armadas.”

Laurenti conta que precisa submeter os detalhes de cada licitação à Starlink, para receber autorização para concorrer à contratação de produtos relacionados às Forças Armadas. Em editais do Exército, ele já recebeu o aval pelo entendimento de que a antena serviria para uso administrativo, e não militar.

“É claro que se a internet vai para um navio da Marinha, é para defesa. Um serviço para área administrativa da Marinha é diferente de um serviço para operação tática no mar. Mas eu não sei os detalhes dos critérios que a Starlink usa para autorizar [a participação em licitações de defesa]”, completa.

O empresário Luis Fernando Zocca é um dos sócios da CSLV Telecomunicações. A empresa não tem autorização da Starlink, mas consegue acesso às antenas e revende o serviço para navios da Marinha.

Para ele, restringir as licitações somente às revendedoras autorizadas da Starlink vai criar uma reserva de mercado, já que somente quatro empresas no Brasil são credenciadas pela gigante norte-americana.

“Se os órgãos públicos condicionarem a contratação às revendedoras autorizadas, haverá duplo prejuízo: primeiro por impedir a participação dos pequenos provedores; segundo, a possibilidade de haver várias dispensas de licitações desertas e fracassadas, pois as grandes empresas não se interessam por todas as ofertas do serviço público”, disse.

Zocca diz que, apesar de ter diversos contratos de antenas com órgãos públicos, sua empresa nunca foi notificada pela Starlink. “Creio que deveria ser ela a principal interessada em notificar fornecedores que estivessem vendendo seus planos a órgãos públicos”, afirmou.

Em nota, a Marinha diz não haver irregularidades nas contratações dos serviços da Starlink para a conectividade em navios e embarcações.

“Os preços da Starlink têm se apresentado muito abaixo das suas competidoras de mercado, o que dentro do princípio da economicidade e da defesa do erário público, somado aos valores permitidos por lei para a dispensa de licitação, permite realizar o processo de dispensa eletrônica, em consonância com a referida legislação.”

A Starlink não respondeu os questionamentos da Folha.

Em nota, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) diz que a “prestação do serviço utilizando determinado sistema satelital requer o acordo entre as partes” –neste caso, a Starlink e a intermediária brasileira.

CÉZAR FEITOZA E MATEUS VARGAS / Folhapress

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