SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Seu Osni Branco que se prepare!”, anunciou no microfone o governador Tarcísio de Freitas antes de bater o martelo no leilão do trem São Paulo-Campinas, em fevereiro deste ano. “Vamos literalmente descer a porrada.”
Após encarar brevemente as autoridades que estavam ao seu lado no palco da B3, em São Paulo, Tarcísio desferiu quatro golpes fortes e barulhentos no batedor, jogou o martelo em cima do balcão e virou de lado. Sob aplausos e câmeras dos empresários presentes, não conseguiu arrebentar a peça.
“Não quebra mais. Uma salva de palmas para o seu Osni Branco”, emendou.
Osni, 77, é o artista que há quase 40 anos faz os martelos usados em cerimônias na Bolsa de Valores. À Folha de S.Paulo ele conta que nunca uma peça sua havia sido quebrada durante leilão, até que, em 2021, o então ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro inaugurou a prática que hoje faz questão de transformar em marca registrada na política.
“Eu fiquei chocado, não sabia o que estava acontecendo”, diz o artista, relembrando seu sentimento quando viu a cena. “Eu pensei ‘por que ele está dando essas porradas desse jeito? Será que nunca viu alguém bater o martelo?’.”
Era o leilão da concessão da Dutra, e a cena dos pedaços do martelo voando pelos ares enquanto Tarcísio desferia os golpes viralizou.
Segundo Osni, cada martelo demora pelo menos um mês para ser construído, num trabalho que ele faz questão de ser minucioso e detalhista, hábitos aprendidos no Japão, onde viveu por 20 anos.
“Eu tenho que fundir as partes metálicas, fazer o acabamento. São frações de milímetros nos encaixes, para ficar bonito, né? Se você olhar, aquilo ali é uma joia. Os encaixes são todos perfeitos. Isso demanda um tempo danado”, afirma.
No começo, a cabeça do martelo era feita de peroba-rosa, e o batedor (onde os golpes são desferidos) tinha uma espécie de gongo que trazia algo de “intrigante” para as cerimônias, segundo o artista, já que a peça era de madeira, com acolchoado de couro e emitia um som metálico. O que Osni tinha em mente ao pensar nesse formato era uma batida suave, como fazem os juízes.
Mas tudo isso mudou com Tarcísio. Com as supermarteladas, Osni alterou a madeira da cabeça do martelo para angelim-pedra e abandonou a ideia do batedor com gongo. “A base de hoje é um tanque de guerra. Eu me adaptei ao mundo militar”, brinca Osni.
Veja a evolução do resultado das marteladas no vídeo abaixo
Segundo ele, a própria Bolsa pediu uma base mais reforçada para aguentar as marteladas do governador, no que ele sugeriu usar então uma bigorna e uma marreta. “Contra a força não há resistência!”, comenta, em tom de brincadeira.
Prova disso é que, mesmo com toda a estrutura reforçada, Osni já produziu pelo menos meia dúzia de novos martelos nos últimos anos. Questionado se não é possível apenas ajustar a peça quando quebra, o artista quase se revolta. “Não me fale de refazer martelo, pelo amor de Deus! Tem que fazer tudo novo.”
Das porradas para celebrar as concessões e privatizações, Tarcísio coleciona os martelos e as peças quebradas. Durante o leilão da venda da Emae, em abril deste ano, o governador disse guardar até hoje uma placa com o anel metálico que ele quebrou ao meio em uma das marteladas.
Sobre a origem do seu trabalho como artesão oficial da Bolsa, Osni conta que foi procurado em meados da década de 1980 (o ano correto ele não se lembra) para pensar em algo que marcasse simbolicamente o início e o fim de um leilão eletrônico. Ele sugeriu o martelo, que além de ser usado nos leilões analógicos na contagem do “dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três”, carrega diversos significados simbólicos.
Na Justiça, alguns atribuem a figura do martelo à mitologia grega, pela ligação com Hefesto, deus do fogo e dos metais. Em movimentos sociais, o objeto representa o trabalho urbano e aparece no símbolo na bandeira comunista em oposição à foice, que faz alusão ao trabalho do camponês.
Mas a motivação de Osni não foi nenhuma dessas. “Poder e decisão: o martelo tem essa simbologia. Vem de Marte, o deus da guerra. Os romanos usavam até como arma, o cabo tinha dois metros de altura e eles usavam para derrubar os cavaleiros”, diz, explicando porque escolheu o martelo como símbolo dos leilões.
Mesmo vendo seu trabalho indo literalmente para o espaço por vezes, ele não se incomoda mais com as marteladas. Segundo o artista, Tarcísio ficou feliz porque ganhou uma marca, e ele, porque arrumou muito trabalho para fazer.
No leilão da Emae, por exemplo, ele foi chamado ao palco pelo governador para a cerimônia de batida de martelo. Naquele momento, Tarcísio perguntou: “posso descer a porrada?”. “Pode e deve”, autorizou Osni.
Foram três supermarteladas. A peça ficou intacta.
THIAGO BETHÔNICO / Folhapress