NÁPOLES, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – O MDMA, entre outros psicoativos, está na mira dos pesquisadores e promete ser o futuro de tratamentos psiquiátricos. No começo de julho, não apenas a Austrália autorizou a sua prescrição para pacientes de transtornos de estresse pós-traumáticos, como a FDA (Food and Drug Administration), agência americana reguladora de medicamentos, publicou novas orientações para estudos clínicos com esse tipo de molécula.
Para Marco Antonio Bessa, psiquiatra e pesquisador da UFPR (Universidade Federal do Paraná), esse é um reconhecimento tácito de que tais pesquisas estão apresentando bons resultados e merecem mais atenção dos órgãos reguladores. Assim, a FDA se adianta à pressão que devem sofrer nos próximos anos para aprovação de remédios com base em psicoativos.
Nessa corrida, o MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina) é um dos primeiros colocados. Um estudo de fase 3 da droga foi publicado em 2021 na revista científica Nature Medicine. Os especialistas avaliaram o uso da substância em pacientes de TEPT (transtornos de estresse pós-traumáticos), incluindo aqueles que apresentavam dissociação, depressão, abuso de álcool ou outras substâncias e trauma como comorbidades. Os 90 participantes foram distribuídos em dois grupos que receberam pílulas ou de placebo ou com o princípio ativo. Os voluntários também participaram de sessões de terapia durante o período.
Os sintomas de TEPT foram avaliados após a última sessão, e dois meses depois os pacientes voltaram para uma nova análise. Os resultados mostraram uma melhora consistente e significativamente maior entre aqueles que receberam a droga. Outro resultado positivo é que os especialistas não encontraram sinais de potencial abuso da substância ou tendências de suicídio, mostrando que se for administrada em condições controladas, o fármaco é tão seguro quanto outros de uso corrente.
O professor Bessa afirma que o uso terapêutico de drogas como essa é seguro para os pacientes e diferente do recreativo. O abuso e dependência de substâncias é consequência do uso de altas doses em uma grande frequência. Além disso, no mercado clandestino, a qualidade da substância consumida é questionável. Por outro lado, as prescrições médicas são seguras e embasadas em estudos, e a indústria farmacêutica é obrigada a oferecer comprimidos que passam por um controle sanitário.
Emerson Arcoverde, psiquiatra associado à Rede Brasileira de Serviços Hospitalares, explica que os pesquisadores buscam essas drogas porque existem transtornos que não possuem ainda um tratamento efetivo e porque alguns pacientes não respondem aos remédios que já estão no mercado.
Mas o especialista alerta que os psicoativos não são a resposta para todos os males. Como, em geral, atuam de forma semelhante aos antidepressivos, devem ser apenas complementar a esses. Além do TEPT, terapias com MDMA estão sendo estudadas para outros transtornos, como transtorno de ajustamento, ansiedade ou ansiedade social, todos em fases clínicas.
Além do MDMA, outros psicoativos estão circulando pelas bancadas dos laboratórios. Um deles é a psilocibina, alcalóide produzido por fungos capaz de induzir alterações nos sentidos. Cientistas argumentam que o uso de pequenas doses da substância é capaz de promover melhorias para a saúde mental de algumas pessoas. Com base nisso, o governo australiano também aprovou a prescrição desse remédio para casos de depressão.
Estudos clínicos de fase 2 corroboram essa decisão. Conduzido em países da Europa e da América do Norte, a pesquisa acompanhou 233 participantes distribuídos aleatoriamente em três grupos, segundo as doses recebidas de psilocibina. Aqueles que tomaram comprimidos com 25 miligramas da substância apresentaram uma redução significativa dos sinais da depressão com relação aos demais. O tratamento foi levado a cabo ao longo de apenas 3 semanas. Os resultados foram publicados em novembro do ano passado na revista científica New England Journal of Medicine.
Outro psicoativo com potencial é a ayahuasca. Sua aplicação em casos de depressão chama a atenção de pesquisadores do mundo todo para o potencial curativo da flora brasileira. A bebida contém extratos de chacrona, ricos em dimetiltriptamina (DMT). Essa substância com estrutura análoga à serotonina é o princípio ativo do tratamento. Mas sozinha ela não conseguiria atuar no cérebro, porque o nosso trato digestivo é capaz de inativar essa molécula tão particular. É aí que entra em ação o outro ingrediente da santa bebida, o cipó mariri, rico em beta-carbolinas. Esse composto inibe as enzimas responsáveis pela digestão do DMT e permite que a droga chegue até o cérebro.
No ano passado, pesquisadores brasileiros publicaram uma revisão dos estudos científicos realizados em torno da ayahuasca. Eles mostram que o uso da droga no tratamento da depressão é aquele que melhor reúne evidências positivas do funcionamento dessas substâncias. Os resultados mais robustos, até então, foram descobertos em um estudo clínico duplo-cego, randomizado com 29 participantes resistentes a remédios tradicionais.
Para outros transtornos psicológicos, entretanto, a mistura não parece trazer efeitos tão positivos. Nas pesquisas voltadas para o tratamento de ansiedade, os autores revelam que os resultados obtidos até então são conflitantes. Se por um lado estudos duplo cego com pacientes mostram que uma dose do chá não melhorou a angústia dos participantes durante uma apresentação, por outro, esses trabalhos revelam que fiéis do daime têm melhoria nos quadros de crises de pânico e desesperança.
O professor Bessa diz que as pesquisas, entretanto, ainda estão em fases relativamente iniciais, e falta um longo caminho até as prateleiras das farmácias. Uma estrada, porém, que remete a culturas ancestrais e não começou a ser percorrida hoje. E que pode nos levar em uma nova viagem, desta vez com destino a uma vida mais saudável.
ACÁCIO MORAES / Folhapress